XXXI

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Medo.

Eu sabia o significado dessa palavra e pensava tê-la sentido na pele algumas vezes na vida. Primeiro, quando a tuberculose levou minha mãe e me deixou órfã. A solidão que me envolveu a partir daquele dia era sufocante e o luto dilacerou meu peito; mesmo assim, consegui me adaptar. O medo voltou para minha vida com a explosão da Grande Guerra: toda noite, escutava o coro de lamentos de dor que entrecortavam minha base, enquanto tiros nos ameaçavam do lado de fora. Vira inúmeros soldados sangrando até a morte sob meus cuidados, depois de terem sua carne despedaçada por uma granada; jamais esqueceria os horrores da guerra.

No entanto, ao ver os olhos vazios de Samhain encarando o fundo dos meus, eu soube que nunca até ali havia sentido o medo real. Sua imponência era o suficiente para desintegrar qualquer esperança que eu pudesse ter; tive certeza de que, quando caísse nas garras daquele ser, teria um destino mais excruciante que a morte. Meu corpo inteiro tremia - seria minha impressão ou a temperatura caiu drasticamente? - e minhas mãos suavam. Vozes demoníacas sussurravam em meu ouvido pragas em línguas que eu não conseguia entender, me enlouquecendo lentamente. 

Fugindo do meu passado, eu conseguira esquecer o medo que me assombrava; aquilo, porém, era diferente. Eu tinha a pavorosa sensação de que, não importasse para quão longe eu fugisse dessa vez, a voz e o olhar daquele demônio continuariam a me assombrar pelo resto de meus dias. Sabia que nada poderia fazer para detê-lo; me sentia pequena e impotente perante a magnitude da inominável monstruosidade em minha frente.

– L-Lilian. – gaguejou Norman ao meu lado, enquanto Samhain nos encarava parado, em silêncio. Senti meu parceiro apertar meus braços, sem desviar os olhos do demônio. – A gente só tem uma chance. – seus olhos desesperados fixaram-se no papel que eu segurava em minhas mãos e, em seguida, em mim. – Eu não sei se dá pra matar aquela coisa do mesmo jeito que um ser humano, acho que não. Vamos precisar do ritual de exorcismo do padre.

– Isso não vai adiantar, Norman! Porra! – empurrei o homem para trás, desequilibrando-o por um breve momento.  Lágrimas escorriam pelo meu rosto e meu coração prestes a estourar; sequer me importava se a aberração infernal ouviria meus gritos. – Olha pra aquela coisa! Somos só eu e você contra aquela... Aquela... – não consegui encontrar palavras suficientemente adequadas para descrever a encarnação dos pesadelos mais tenebrosos que minha mente poderia criar. Como nomear algo tão vil, tão profano, tão abominável? – Como essa merda de exorcismo do padre pod-

– Cala a boca, Lilian, caralho! – Norman segurou meus braços novamente e os apertou com força, enquanto movia nervosamente o olhar de mim para o monstro e de volta para mim. Samhain continuava imóvel, nos observando em completa quietude. – Presta atenção, porra. – o homem baixou seu tom de voz, olhando no fundo dos meus olhos. – Se tem uma coisa que eu sei, é que você é cabeça dura demais pra simplesmente desistir. – ele me chacoalhou levemente pelos ombros, como se tentasse me acordar. – Se a gente não tentar matar essa coisa agora, ela vai matar mais-

Um passo do demônio gigante interrompeu Norman, que perdeu o ar ao ouvir a criatura aproximar-se de nós. Meu sangue congelou ao observar os músculos proeminentes do morto-vivo, que caminhava com garbo em nossa direção. Ele parecia não ter pressa para nos matar, mas eu sabia que nosso tempo estava acabando.

– Puta m-merda. O-Ok. – respondi, amassando um pouco as bordas do papel pela força com que o segurava. Olhei para o caminho que Samhain fazia, tentando calcular quanto faltava para nos alcançar; nossa distância agora deveria ser de 4 metros. – O q-que faremos?

– Você vai ler esse ritual. – meu parceiro levantou-se, segurando o revólver. Seus joelhos tremiam e eu podia ver o suor escorrendo por sua testa; nunca vira um homem tão amedrontado. Mesmo assim, ele respirou fundo, fechando os olhos por um segundo e soltando o ar. Naquele momento, me dei conta de que era a pessoa mais corajosa que havia conhecido. – Eu vou distrair o garotão.

Crônicas Abomináveis: Dia das Bruxas Macabro (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora