XVI

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– Acho melhor que o senhor se acalme. – falei com firmeza, observando o fundo dos olhos de Vincent Allen. – Por favor, volte a se sentar e me explique o porquê diz para eu desistir desse caso.

De início o detetive apenas respirou fundo, sem se mover. Alguns segundos foram necessários até que desviasse os olhos e voltasse a seu lugar, contrariado. Ele não parecia mais o homem descontraído e galanteador que encontrei ao entrar na cafeteria; agora, estava agitado e obviamente incomodado por estar ali.

– Investigar isso é uma péssima ideia. – disse, tirando do bolso interno do casaco um isqueiro e um maço de cigarros. – Acreditem em mim.

– Seus pedidos, senhores. – disse João, antes que eu pudesse perguntar algo. Ele já não sorria como sempre fazia; parecia perceber a tensão que se instalara na mesa. – Desejam mais alguma coisa?

– Não, João. Obrigada. – respondi, suspirando ao ver o bolo ser colocado à minha frente com um bela xícara de chá fumegante. – Ah, apenas uma pergunta. – virei-me para o homem, que me observava atento. – Onde está Norman? Não o vi ainda.

– O Sr. Ray está em seu escritório, resolvendo alguns negócios. – disse ele, voltando a sorrir. – O avisarei de que estão aqui; logo mais ele deverá encontrá-los.

– Está bem. Obrigada, mais uma vez. – o funcionário assentiu, e voltou para o balcão. Voltei a encarar Vincent, que já tragava um cigarro. – Tudo bem. Pode me explicar o que há com esse símbolo e o que aconteceu?

– Esse símbolo é maldito. – disse ele, muito sério. – Tudo que ele traz é morte e destruição. Acredite em mim, você deveria-

– Desistir, já sei. – interrompi, sem paciência. Mas o que há com esse homem?! – Você citou um amigo. Giovanni, certo? – ele abaixou um pouco seu cigarro, com uma expressão de desaprovação. – O que aconteceu com vocês?

Vincent me encarou por alguns segundos, como se ponderasse se me contaria ou não. Padre Filippo, por sua vez, tomava seu café da manhã em silêncio, sem olhar para nenhum de nós. Tinha no rosto uma profunda expressão de tristeza.

– Há alguns meses um homem me chamou para investigar uma casa antiga. – disse o detetive, enfim. – Estavam acontecendo coisas estranhas por lá e... Bom, ele resolveu me chamar. – Vincent tragou seu cigarro, soltando uma grande quantidade de fumaça logo depois. – Eu fui, junto com dois amigos. Eles iriam me ajudar. – apesar da dor estampada no rosto, ele sorriu, negando com a cabeça. – Um deles morreu, Lilian. Só estávamos nós três na casa, mas ele morreu. Sabe como? – ele apoiou os braços na mesa, empurrando de leve seu pedido intocado. – Um espírito. A porra de um espírito lançou uma adaga em nós, e ela veio voando na direção do peito dele.

Engoli em seco, sem desviar os olhos do homem. Ele não parecia mentir, tampouco parecia um louco. Apesar disso, o que dizia era obviamente impossível. Isso sem contar a estranha semelhança com o caso De La Cruz... Mas quais seriam as chances?

– Por isso, eu lhe digo. – ele voltou a apoiar as costas na cadeira de madeira, finalmente pegando sua xícara de café. – Não vale a pena se envolver com isso. A melhor coisa que você pode fazer agora é ir para casa e esquecer-se disso.

– Eu sinto muito por seu amigo, mas isso está fora de cogitação. – respondi, irritada. Me incomodava profundamente aquele pessimismo exagerado, ainda mais baseado em uma narrativa tão fantástica e assombrosa como a de um fantasma. Vincent, no entanto, apenas deu de ombros, dando uma garfada em sua comida. – E... Onde isso aconteceu?

Ambos os homens olharam para mim, e não pude evitar que meu coração acelerasse um pouco. Algo me dizia que, caso soubessem meu interesse na morte do Dr. De La Cruz, se fechariam para mim. Não posso arriscar, estando tão perto. Ele tem de estar falando disso.

– Cavalheiros. – disse Norman, que acabara de chegar. Eu estava tão intrigada com a história de Vincent que nem notara o homem se aproximando. – Lilian. – ele olhou para mim, e pude ver a sombra de um sorriso de canto. – Bom dia.

– Bom dia, meu filho. – disse padre Filippo, que a essa altura já estava terminando seu café da manhã. Eu e Vincent, por outro lado, mal havíamos tocado na comida. – Como está?

– Bem, obrigado. – ele olhou para o detetive, que o encarava. – O senhor deve ser Vincent Allen, correto?

– E você deve ser Norman Ray. – respondeu o homem, apertando a mão que o outro lhe oferecia. – O padre me disse a respeito do senhor e da Srta. Taylor.

– E imagino que já conversaram a respeito das mortes, também. – Norman sentou-se ao meu lado, único lugar vago que havia. – Lilian deve ter fornecido a maior parte dos detalhes. – olhei para ele, com uma sobrancelha erguida. – Não há nada que escape ao seu caderno.

– Ela passou. – disse Vincent, em voz baixa, lançando um olhar aborrecido para mim. Era nítido que não mudara seu posicionamento a respeito dos casos.

– Ótimo. – respondeu Norman, aparentemente alheio ao desconforto do outro. – Assim que terminarem de comer, peço que venham comigo até meu escritório. – todos nós o encaramos; ele estava sério, sem nenhum resquício de sorriso no olhar. – Eu encontrei algo que vocês precisam ver.

– Vamos lá. – falou Vincent, levantando-se e deixando metade dos ovos no prato. – Eu já terminei por aqui.

– Eu também. – disse o padre, que de fato havia comido tudo que havia pedido. – Lilian?

– Vamos. – respondi, um pouco contrariada por deixar um pedaço do bolo para trás.

– Certo. – disse Norman, levantando-se e indo em direção à porta lateral que levava até a parte superior do estabelecimento. – Venham comigo.

Seguimos o homem, indo até o cômodo que eu e o padre havíamos conhecido no dia anterior. Se antes o pequeno escritório já provocava uma leve claustrofobia, com um integrante a mais no grupo ele parecia ter encolhido. Como não havia cadeiras para todos, Vincent permaneceu em pé, enquanto eu e o mais velho sentávamos nos mesmos lugares de ontem. Norman, por sua vez, rumou até o outro lado da mesa, tirando um grosso livro de uma gaveta e colocando-o em cima do móvel. A despeito da quantidade de páginas, ele assemelhava-se a um caderno comum; de sua capa, porém não poderia dizer o mesmo. Cinza como um dia tempestuoso, possuía alguns detalhes em preto na borda, formando desenhos que ora lembravam plantas, ora serpentes. Mesmo que fosse um simples objeto, certamente era algo um tanto quanto perturbador.

– Que livro é esse, meu filho? – perguntou Filippo, encarando o livro com incômodo.

– A pergunta correta, padre, – disse Norman, abrindo-o. – é de quem é esse livro.

Todos nos aproximamos da mesa, para melhor enxergar os detalhes da bizarra composição. Todas as páginas pelas quais Norman passava eram rabiscadas a lápis, com desenhos capazes de revirar as entranhas do mais sólido espectador. Eram as mais variadas cenas de tortura e assassinatos cruéis: uma mulher gritando, tendo a pele do rosto arrancada por uma grande faca, deixando seu músculo à mostra; um homem agonizante, com metade da cabeça sendo esmagada por uma grande pedra em movimento, seu cérebro espalhado pela estrada; uma criança parecia berrar, assustada, enquanto era arrastada e esfolada por um automóvel, pelos pés; uma grande fogueira engolia um idoso em chamas, cuja carne derretia. Todas as ilustrações possuíam riqueza de detalhes perfeitamente condizentes com a anatomia humana, e eu sabia que me tirariam o sono naquela noite. Havia, ademais, um ponto em comum entre todas - além do fato de serem quase réplicas das mais abomináveis mortes, é claro. Algo que me abalava mais que todas as ilustrações hediondas daquele livro nefasto e provocava em mim um terror que há muito tempo não experimentava.

Grande parte dos homicídios ilustrados eram cometidos pela mesma pessoa, impossível de não ser reconhecida.

Dorothy Davis.

Crônicas Abomináveis: Dia das Bruxas Macabro (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora