– Dorothy... – murmurei, ainda atordoada com tais visões. Me aproximei do livro e toquei as páginas, borrando levemente um dos desenhos feitos a lápis. Impressionava-me o óbvio conhecimento anatômico da artista; assombravam-me suas criações.
– Quem é essa garota? – perguntou Vincent, olhando com temor para o caderno de braços cruzados. Parecia até ter esquecido de seu cigarro, que pendia nos dedos.
– Dorothy Davis. – respondeu Norman, encostando-se em sua cadeira. – Ela é a babá dos filhos de Lawrence Wallace, o homem que foi morto há três dias.
– Ela também estava presente na cena de ontem. Disse ser a melhor amiga da vítima. – comentei, desviando os olhos do livro nefasto e os direcionando a Norman. – Onde encontrou isso?
– Eu lhe disse que tinha negócios a resolver ontem à noite, não disse? – respondeu ele, sorrindo de lado. Estreitei os olhos, sentindo as peças em meu cérebro se encaixando. Ele me perguntou mesmo uma vez se eu considerava descobrir o mistério por trás das mortes por meios pouco ortodoxos, como invadir uma propriedade... – O fato é que esse livro não apenas tem Dorothy como protagonista, mas é de propriedade dela.
– Isso é uma terrível blasfêmia. – murmurou padre Filippo, que até então estava sussurrando uma prece. – Essa garota com certeza está envolvida com forças malignas. Talvez possuída pelo próprio demônio!
– Não sei se podemos dizer isso. – falei, olhando um tanto quanto incerta para o objeto. – Digo, este livro é, de fato, algo perturbador. Ainda mais para uma jovem como ela. – desviei os olhos; os pesadelos já eram certos e eu não queria dar à minha mente mais matéria-prima. – Mas não é o bastante para lhe atribuir alguma culpa.
– Está brincando? – perguntou Norman, indignado. – Você viu os desenhos? A garota é uma psicopata.
– Minha filha, basta olhar para esses desenhos, a garota com certeza está possuída. – complementou Filippo, nervoso.
– Não, Lilian está certa. – disse Vincent, para minha surpresa. A tensão de poucos minutos atrás me passara a impressão de que o detetive não concordaria comigo. – A garota pode até ter gostos perversos, mas isso não prova que ela é responsável pelas mortes. – ele pareceu lembrar-se do cigarro, pois voltou a tragá-lo. – Talvez seja apenas uma dessas moças deslumbradas com o macabro.
– Exatamente. – completei, olhando novamente para o padre e Norman, que pareciam relutantes em concordar. De fato, não poderíamos descartar a garota como suspeita, mas atribuir a culpa por conta de um livro de desenhos - ainda que extremamente preocupante e apavorante - não seria sensato. Além disso, ela me parecia tão abalada pela morte da amiga quando conversamos... Isso sem contar os diversos elogios feitos pela Sra. Wallace.
– Pode ser. – disse Norman, sem muita convicção. – Mas ainda acho que isso é uma grande pista que pode nos ajudar. – ele fechou o livro, para o alívio de todos; ninguém mais parecia suportar as horrendas ilustrações. – Dorothy já estava envolvida com duas das mortes. Agora que sabemos o que se passa na mente dela, deveríamos ficar de olho.
– Certamente. – completou o padre, agarrado ao pingente de cruz de seu terço. Dentre todos, ele foi o mais atingido pelo livro. – Isso não é um apreço normal, tampouco saudável. Pelo contrário, é uma verdadeira abominação, uma blasfêmia!
– Certamente não é saudável. – senti um arrepio na espinha, não conseguindo tirar da memória o desenho de uma mulher apavorada debaixo d'água, afogando ao ser arrastada para um abismo sem fim por correntes. Maldita fobia.
– Pensando melhor... – murmurou Vincent, atraindo os olhares no escritório. – Deixe-me ver esse livro.
– Fique à vontade. – disse Norman, entregando o grosso caderno para o detetive. – Eu o vasculhei de cabo a rabo, mas não encontrei nada além dessas ilustrações.
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Crônicas Abomináveis: Dia das Bruxas Macabro (EM REVISÃO)
ParanormalNão existe sobrenatural. O que existe é o que pode ser explicado pela lógica, pela ciência e pela experimentação. Ponto. Ao menos, é nisso que Lilian Taylor acredita. Repórter, ela investiga um misterioso caso envolvendo a morte de um renomado e fam...