Capítulo 10 | O Colar.

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... Otávio venha.

O clamor fez a espinha de Otávio gelar. A voz, sussurrante, pôde ser ouvida por ele com muita clareza mesmo estando longe da cozinha. O rapaz, desconfiado, beliscou seu braço a fim de saber se estava mesmo acordado ou em um de seus pesadelos corriqueiros.

- Ai! - Ele gritou ao sentir a dor do beliscão. Não era um pesadelo, era real. A constatação o amedrontou. - Vô, o senhor está ouvindo esse som também?

Silêncio.

Otávio se virou e observou que Ivan ainda permanecia de pé na pia, mas o barulho da água caindo da torneira cessou. Otávio franziu o cenho e disse:

- Ei, eu tô falando com você!

Silêncio.

O rapaz, impaciente, se levantou e caminhou até Ivan, mas novamente Otávio travou quando ao chegar até a pia notou que a torrente d'água estava parada no ar, imóvel, como se alguém tivesse pausado literalmente o tempo.

- Cacete...

Não só a água, mas tudo, inclusive Ivan, havia parado no tempo. O avô permanecia imóvel e ainda com o semblante alegre, mesmo estando estranhamente congelado.

... Otávio venha!

O sussurro clamou mais uma vez, mas agora com mais tenência. Otávio entendeu o que deveria fazer.

- Se for aquela garota louca da livraria ela vai ver só o que eu vou fazer!

Otávio caminhou até o pé da escada.

Quando seu pé tocou o primeiro degrau o rapaz começou a ponderar sobre subir ou não. Ele tinha ciência de que não estava em um pesadelo, e, por conta de tudo o que passou nas últimas horas, ele se viu relutante em continuar. Poderia ser uma pegadinha de Fabiano, poderia também ser seu anjo da guarda, ou pior, um demônio. Só havia uma maneira de descobrir, e essa maneira era o que o fazia pensar em desistir.

... Otávio!

- Tá, tá! Eu já estou subindo. Droga! - Falou aborrecido. Se o que estivesse no segundo andar trouxesse respostas a suas centenas de perguntas, ele tentaria ao máximo ignorar seus temores.

Começou, vagarosamente, a subir a escada.

A cada degrau que subia a vontade de descer dois era grande. O ranger da madeira abaixo de seus pés o incomodava, pois denunciava sua subida a quem quer que esteja o esperando em seu quarto. Ele engoliu em seco e continuou caminhando.

No topo da escada já havia algo que o incomodou: a porta do quarto estava fechada. Otávio nunca deixava a porta fechada; ele não fazia questão de esconder o quão sujo seu quarto é. A única explicação da porta não estar escancarada era que Ivan havia fechado ao não aguentar a imundície do neto, porém, seu avô permanecia pausado na cozinha e não havia mais ninguém na casa.

Fim dos degraus.

Por debaixo da porta um clarão o fez recuar. Jynx? Pensou ele ao se lembrar do clarão na livraria logo após sua partida desesperada.

Otávio se aproximou da porta e começou, em sua cabeça, uma contagem a fim de pegá-la em flagrante.

Ele contou até três:

Um: Mão na maçaneta.

Dois: Respirou fundo.

Três: Abriu.

Quando entrou no quarto como quem quer pegar o amante e a esposa fodendo sem remorso algum, Otávio ficou confuso:

Não havia nada além da bagunça.

Guardiões de Éter - O Filho do ArcanjoOnde histórias criam vida. Descubra agora