"Você não pode brincar de Deus sem estar familiarizado com o Diabo." — Wesworld
Jennie Kim
[...]
Lembre-se de um dia ruim, mas não um dia comum e tedioso, em que você não encontra nada para fazer e sente um vazio incômodo no peito, ou um dia em particular que seus planos saíram do controle, onde você chegou a pensar que o mundo estava conspirando contra você. Não, não é desse dia que estou me referindo, mas sim, um dia onde você perdeu um ente querido, um dia em que descobriu uma traição, um dia onde você só quis morrer, onde a luz no fim do túnel não apareceu, onde palavras de conforto não eram o suficiente, onde chorar não causou nada a não ser um nariz entupido, olhos inchados e um sentimento de impotência. E então, você culpa os céus, a terra, as pessoas, e culpa a si mesmo por ter acabado assim.
Estou vivendo esse dia há quase dois anos.
As semanas em que passei totalmente dopada, fraca demais para receber comida, para ir ao banheiro ou para sair da cama, fitando o teto amarelado em meio ao meu próprio vômito, urina e baba, foram as melhores semanas, por incrível que pareça. Nessas semanas eu não tinha forças para pensar em nada, mal sabia o meu nome ou o porquê estava no Colônia, nessas semanas, eu apenas existia. Era como viver numa bolha anestésica, como ser um objeto inanimado. Mas, nas semanas que eles diminuíram os remédios, eram as piores. Eu pairava naquela redoma nem sóbria e nem tão chapada, onde passei a ter consciência do meu corpo, da minha sujeira, de onde eu estava e o porquê eu estava ali. Eu tinha consciência das vozes, das pessoas ao meu redor, da minha dor, mas não tinha como sair ou me mexer. Essas eram as piores semanas.
Eu estava em uma dessas semanas quando vi Lalisa pela primeira vez, depois de ser presa.
Ah, Lalisa. Ela parecia um sonho levemente delirante, com calças boca de sino e cabelos cortados acima dos ombros. Eu achei que fosse coisa da minha cabeça, mas Jisoo, ao lado dela, me deu a certeza. Aquela não era uma apresentação formal de boas vindas ao pior emprego que uma recém formada de psicologia poderia encontrar, não, definitivamente não era. Aquele foi um aviso: "Eu voltei a matar e, dessa vez, ela vai ser a culpada."
Ficar semanas chapada esperando que a morte tivesse pena de mim não era mais uma opção, eu precisava avisá-la sobre Jisoo. Quando nenhuma das minhas tentativas funcionaram, tomei medidas desesperadas: ataquei minha psiquiatra. Lalisa apareceu, ela olhou no fundo dos meus olhos e me fez perceber que não estava lá há algum tempo. Era Lisa. Escrevi o nome de Irene no papel, pois era a única pessoa em que ela poderia confiar, a única pessoa que poderia impedir Rosé e Jisoo. Os dias passaram em uma constante irreversível, até ela aparecer.
Jisoo mandou os enfermeiros irem embora, havia dois, eles eram fortes o bastante para quebrar o meu pescoço em um estalo, se fosse preciso. Eram a minha sombra depois que ataquei a psiquiatra, e a psiquiatra antes dela. Jisoo esperou que os enfermeiros fossem embora e que a porta fosse fechada para se aproximar. Ela não tinha mudado nada durante os últimos meses, permanecia com o mesmo semblante prestativo e tímido que acreditei durante toda a vida. O rosto dócil e delicado, a voz aveludada e bonita. Jisoo poderia convencer qualquer um a fazer o que ela quisesse.
— Sua coragem é louvável — murmurei, em um esforço descomunal para ficar sentada.
Jisoo se aproximou a passadas lentas, o sol de fim de tarde iluminava seu semblante risonho.
— Eu confio nas algemas, estão bem presas. — Ela agarrou uma das correntes e puxou, o barulho do metal tilintando preencheu o quarto. — Como você está, Jennie?
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Paraíso Artificial
Fanfic(Concluída) Lisa Manoban não acredita em coincidências, por isso, ao chegar a Taegon, uma cidade manchada por um massacre bárbaro, ela tem um forte pressentimento que há algo errado. Algo errado na forma controladora e sorridente de Kim Jisoo, nas...