"E as aparências não enganam não." — Elis Regina.
Lisa Manoban (Agosto de 1985)
[...]
Eu não me lembro de tudo como as pessoas "comuns" se lembram, com imagens, mas me lembro das sensações. Minha infância é um borrão incongruente e confuso, mas a sensação é nítida: cheiro de carne queimada, morte e cigarro.
Há um ano atrás ou um pouco mais que isso, Rosé queria que fossemos a um festival em uma cidade no interior. Ela disse que seria bom porque poderíamos nos divertir antes de virarmos "adultas" já que era nosso último ano de faculdade. Eu disse: "sem chance" mas me lembro do cheiro. O Divine tinha cheiro de suor, urina e sexo.
Há lembranças que aparecem em lapsos, como quando entrei na casa de Jennie Kim.
Lalisa não consegue esconder tudo de mim.
E quando acordo naquele lugar, tenho um desses lapsos. Estou no Divine, ou pelo menos onde ele foi sediado antes do massacre.
Agora é um descampado enorme e cheio de neve. Algumas plantas lutam contra a massa branca, porém, a maioria é apenas galhos amarelados e retorcidos. As serras rodeiam o terreno, mas está tão escuro que demoro a me localizar naquela imensidão, me levanto, dolorida, como se tivesse corrido uma maratona com chinelos. Minhas roupas fedem a suor e sujeira, meu jaleco sumiu e estou sem uma das minhas jaquetas, de modo que o frio atravessa meu corpo como um soco. Respiro fundo, o vapor se forma e o vento gela as minhas narinas.
As botas impermeáveis estão cheias de lama e fazem um barulho engraçado quando rodo os calcanhares. O cheiro metálico e ocre está presente. Sangue. Minha blusa de mangas compridas está cheia de manchas escuras por toda a extensão, levo-a até o nariz para analisar o cheiro e uma ânsia de vômito remexe o meu estômago vazio, caio em cima dos joelhos e vômito no meio da neve. O sangue não é meu.
Eu deveria ter raiva de Jennie, já que foi ela quem me fez perder o controle, foi ela quem trouxe Lalisa de volta, mas o que eu devo fazer? Contar a polícia? Lalisa me deixou emergir? Ninguém acreditaria em mim.
Minhas lágrimas podem congelar naquele frio, elas escorrem pelas minhas bochechas até o meu queixo. Encaro o horizonte branco sem fim, não há palco, calor, multidão ou música, só há um silêncio e uma escuridão tão densa que meus olhos não se acostumam. Saio daquele lugar e vago pelas casas, mas as luzes estão apagadas e o comércio fechado. É madrugada, não sei de qual dia. Meus pés doem, minha barriga ronca e, finalmente, do outro lado da rua, vejo a casa de Jennie Kim.
Não sei o que me levou até lá, talvez seja o único lugar que sempre quis voltar desde que pisei aqui, o único lugar que me trouxe a lembrança na qual me sustento. Jennie sorrindo, mechas platinadas e um copo de água na mão... Mas há policiais na entrada, uma escolta inteira deles na frente da casa, e a luz das sirenes toma conta da rua.
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Paraíso Artificial
Fanfic(Concluída) Lisa Manoban não acredita em coincidências, por isso, ao chegar a Taegon, uma cidade manchada por um massacre bárbaro, ela tem um forte pressentimento que há algo errado. Algo errado na forma controladora e sorridente de Kim Jisoo, nas...