(III). Querida, é claro como cristal

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"Eu tenho a resposta para todos os seus medos, é pequena e simples, está por aí, perdida entre as nossas derrotas" — Nick Cave

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"Eu tenho a resposta para todos os seus medos, é pequena e simples, está por aí, perdida entre as nossas derrotas" — Nick Cave

Lisa Manoban (Julho de 1985)

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O Colônia é um lugar inóspito.

Por toda a minha graduação, ouvi sobre como pacientes com doenças mentais deveriam ser tratados com dignidade, mas ali, ali ninguém liga para isso. As pacientes menos severas ganham um banho de sol às quintas, as mais severas veem a luz amarelada das salas e o pouco Sol que entra pela janela. O que todas têm em comum? São dopadas 24 horas por dia. Se você andar pelos corredores pode pensar estar em um apocalipse zumbi, a maioria não consegue andar sozinha, a maioria só resmunga e grita.

Parece outra cidade dentro da hospitaleira e traumatizada Taegon. Os funcionários não são gentis, a comida é insossa, e o local parece ter sido construído em cima de um cemitério indígena amaldiçoado. Sempre há nuvens escuras rondando, tornando tudo ainda mais frio e incolor. Todos ali só fazem o seu trabalho como robozinhos ou cães treinados, estampando uma cara de quem não dormiu bem ou teve a foda interrompida. No primeiro dia eu estranhei, na primeira semana já estava agindo como o resto.

Mas há um único lugar no Colônia onde eu posso respirar fundo e relaxar os ombros: a sala de telefones.

Bom diaaaa, flor do diaaa! — Rosé cantarola do outro lado da linha.

— Você conhece o massacre de Divine?

Ouço um chiado no outro lado da linha e encaro os lados. É um pouco impessoal conversar na sala de telefones, a minha direita tem uma enfermeira chorando ao telefone, o choro dela é alto e incômodo. Ela tirou uma bombinha de asma do bolso do jaleco e começou a sugar. Me viro de costas, tentando dar um pouco de privacidade a mulher antes de voltar ao telefone.

Por que você não me conta como foi a sua primeira semana?

— Porque não há nada de novo do que te contei ontem — justifico, impaciente. — Estou trabalhando na ala das pacientes menos severas, que fizeram crimes menores: furto, roubo... elas estão reagindo bem ao tratamento. — Seguro a gola da minha blusa branca, como o jaleco. — Hoje começou a nevar. Jisoo me deu um casaco de presente de boas vindas, o que é muito bom já que não trouxe tantas roupas para o frio...

Jisoo? — Rosé pergunta, como se não tivesse ouvido direito.

— É. A diretora do hospital. Ela tem me ajudado a me adaptar.

O silêncio é tão demorado que acho que Rosé colocou a ligação no mudo. Olho para os lados, a enfermeira chorona foi embora.

— Rosé? Está aí?

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