"E esses prazeres violentos têm fins violentos" — Shakespeare.
Diário de Jennie Kim (Fevereiro de 1984)
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Meus avós eram "pessoas de bem" em Taegon. Eles pagavam seus impostos em dia, iam aos eventos feitos pela prefeitura, faziam trabalho voluntário no Colônia e sempre sorriam para as pessoas, não importando se estava sendo um dia de merda. Meu avô lutou na guerra das Coreias, havia perdido um olho durante uma batalha, da qual nunca falou, porque ele não queria se lembrar das coisas que passou lá. Mas por baixo de todos aqueles sorrisos e boa educação, eu conseguia perceber um olhar vago que surgia em sua face, rapidamente, antes dele voltar a ser o velho e amável senhor Kim de sempre.
É o tipo de olhar que pessoas que sofreram grandes traumas possuem. Elas nunca poderão ser o que eram antes, estão quebradas.
Já a minha avó nunca trabalhou, como uma boa dona de casa, ela fazia bolos e cuidava de tudo perfeitamente, da mobília de madeira, que precisava ser lustrada dia sim dia não, da comida do meu avô, que precisava ser sem sal por causa da hipertensão e da neta inclinada a dar problemas. Os moradores de Taegon gostavam deles, porque estavam lá antes da invasão universitária (quando a universidade do Condado era só mais uma escola secundária), mas os moradores de Taegon não gostavam de mim.
Eu entendo o porque, não quero me fazer de vítima aqui. Se eu fosse básica como metade das pessoas que nasceram aqui, que dizem por aí terem me visto beijar todos os garotos do time de beisebol (o que é uma mentira, já que eu não encontrei a minha boca no lixo) e outros que estudei junto, que espalham boatos que eu praticava sodomia com meninas (ok, é verdade), eu também pensaria assim.
Eles não deixam seus filhos baterem na minha porta durante o Halloween, me olham enviesado quando me veem no mercado, e os mais velhos sempre balançam a cabeça ao falarem o meu nome: "Ah, a neta dos Kim, sei quem é", porque quando você mora em cidade pequena, você não tem nome, é sempre neta ou filha de alguém, e então eles acrescentam: "Eles devem estar tão desapontados com o que ela se tornou, que Deus os tenha." Mas acredito que meu avós estariam mais desapontados se soubessem que metade daquela cidade cuida mais da minha vida do que das suas próprias.
Então, andar no meio dos universitários, na parte progressista e jovem da cidade, era um alívio. A primeira vez que disse a Taehyung que beijava garotas, ele levantou uma sobrancelha e respondeu: "Que legal, me passa o maçarico", porque é assim, eles não ligam, e o fato da cidade estar cheia deles havia quase uma década, me faz pensar que, enfim, alguma coisa de bom aconteceu a Taegon. Agora, não preciso ser tão cuidadosa, com medo de fazer algo irreversível e ouvir os mais velhos dizerem: "Eu sempre soube que a neta dos Kim era desajustada", porque eu sei que eles estão esperando por esse erro, esperando que eu faça algo horrível para que possam fazer a justiça divina.
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Paraíso Artificial
Fanfic(Concluída) Lisa Manoban não acredita em coincidências, por isso, ao chegar a Taegon, uma cidade manchada por um massacre bárbaro, ela tem um forte pressentimento que há algo errado. Algo errado na forma controladora e sorridente de Kim Jisoo, nas...