Piano

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"Ela acreditava em anjo e, porque acreditava, eles existiam."

Clarice Lispector

Jev, ou melhor, Patch, era um louco por deixar Rixon cuidando daquela menina, ainda por cima uma Nefilim. Ao menos era o que o pobre coitado pensava naquele momento em que via seu melhor amigo se afastando do carro, Rixon voltou-se para a garota que parecia ter despertado de seu sono. Ele entrou no automóvel e dirigiu levando ela até o seu apartamento que ele mantinha do outro lado da cidade de Coldwater, saiu do carro sem trocar uma palavra com ela e ao abrir a porta a puxando com força segurando em seu braço, ele notou que ela não relutou em sair.

- Parece mais calma, melhor assim. - Praticamente rosnou a menina.

A ruiva não gostava daquele loiro, na realidade ela sentia que o outro era mais confiável do que este a qual a estava servindo de babá, mas seria melhor se ela fosse cooperar, ao menos eles não eram o mão negra.
Ela foi levada para dentro do prédio antigo com uma arquitetura que remetia aos tempos coloniais dos Estados Unidos, não havia elevadores então tiveram que subir escadas até chegar no quinto andar aonde o caído abriu uma porta e a empurrou por ela adentro.
O local era escuro mas sua visão aguçada de híbrida entre um caído e humano, funcionava muito bem. O apartamento era mais chique do que ela esperava, com uma sala e cozinha americana, cozinha está com eletrodomésticos em aço inoxidável e a sala com sofá de couro negro e uma televisão enorme, havia até mesmo uma pequena mesa de totó em um canto e um piano de armário.

- Você toca? - Ela perguntou ao caído que se dizia ser Rixon, suas mãos estavam presas ainda na frente do corpo, caminhando até o piano e tentando tocar os dedos nas teclas de marfim.

- Você toca? - Rixon devolveu a pergunta.

Apesar de ser bem mais humorado do que o seu amigo, ele não gostava de perguntas e não lidava bem com os Nefilim, eles só serviam para juramentos e terem seus corpos usados, não eram dignos nem dos cuidados dos anjos que não se importavam com caídos tomando posse de seus corpos.

A ruiva não notou os olhares de repulsa do caído, pois estava de costas ao mesmo e se sentando no branquinho diante o piano, mesmo com seus pulsos presos ela tentou tocar algumas notas no instrumento.

- Eu me lembro de tocar, acho que tive aulas na infância. - Foi sua resposta.

Rixon abriu sua geladeira tirando de lá duas garrafas de água mineral, abriu uma gaveta e pegou uma faca, andando até a garota no piano. A ruiva se assustou ao ver a faca mas o homem apenas cortou suas amarras, estendendo uma das garrafas a ela.

- Você precisa se hidratar. - Rixon diz e então olhou o piano. - E toque alguma coisa, o que você lembrar.

A garota temeu que aquilo fosse uma brincadeira de mal gosto, mas pelo ar de entediado, o caído devia estar querendo passar o tempo enquanto esperava seu amigo retornar. Ela aceitou a garrafa de água e abriu dando bons goles enquanto Rixon se jogou no sofá e ficou a encarando. Após se hidratar ela voltou as teclas do piano, seus pulsos ardiam agora que estavam livres mas ela sentia essa necessidade puksante em querer tocar. Realmente podia sentir a música fluindo através de si e logo seus dedos fizeram todo o trabalho, era uma memória muscular e uma memória da alma, a música fluía por todo o ambiente.
Rixon se remexe no sofá quando a ouve tocar, segurando a outra garrafa de água em sua mão, aquela música. Ele não há ouvia fazia séculos, ele fechou os olhos enquanto ouvia os sons dos piano envolvendo o ambiente e pensou que pudesse estar chorando.

A garota então parou de tocar e Rixon abriu os olhos.

- O que foi? - Ele perguntou. - Parou porque?

- Quer que eu continue? - Ela perguntou e ele fez que "sim" com a cabeça.

A ruiva então retornou a tocar, ela se sentia mais viva, suas memórias pareciam vim com mais nitidez a cada nota, ela havia parado pois uma memória percorreu sua mente, ela não iria revelar a eles, mas havia se lembrado muito bem de um rosto que vira quando esteve nas mãos daqueles homens e mulheres nefastos, ela vira um homem de um cabelo em um tom avermelhado mais claro que o dela, um homem que tinha um olhar gelado e um rosto angelical.
Mas buscou afastar essa memória por agora, ela continuou a tocar até que sentiu a mão de Rixon em seu ombro, parou abruptamente novamente e se virou.

- O que foi? - Desta vez ela quem perguntou, o anjo caído nada disse.

Rixon não sabia o que dizer.
A música que ela tinha tocado havia um tempo sido escrita a ele, uma paixão de outrora, uma humana que já não existia.

- Aonde aprendeu essa música?

- Minha mãe me ensinou, está na minha família há gerações. - Ela disse sem compreender o espanto do anjo.

Rixon então pela primeira vez olhou de verdade nos olhos castanhos da garota e ela olhou em seus olhou nos negros dele, os dois se viram de verdade pela primeira vez. Uma energia estática perpassou seus corpos e ela se levantou assustada, afastando-se dele.

- Você está bem? - O caído perguntou e a garota levou a mão a boca e depois ao estômago. - Fale alguma coisa, você parece que vai desmaiar.

- Eu me lembrei. - Ela sorriu, seus olhos brilhando. - Eu lembrei meu nome. Eu me chamo Amélia. Meu nome é Amélia!

A alegria dela era enebriante e até Rixon acabou rindo.

- Então é um prazer te conhecer, Amélia. - Ele disse e ela pulou em seus braços, fora algo tão natural que os dois se espantaram mas não se afastaram.

Rixon apertou o corpo dela por um momento, sentindo seu aroma que podia ser familiar mas não era, ela se afastou dele, meio constrangida mas feliz, ela tinha se lembrado de seu nome, enquanto Rixon pensava na ex que podia ser uma antepassada dessa menina que estava sorrindo para ele agora.

A Queda do Arcanjo (+14)Onde histórias criam vida. Descubra agora