Se existisse um termo para descrever a crise de identidade após algumas centenas de anos bem vividos, Inês poderia dizer que estava passando por ela.
Encara seu reflexo mais uma vez. O que via no espelho? Era uma mulher bonita, sem sombra de dúvidas, carregava o esplendor de sua condição. Mas além dela... No âmago de seu ser, antes do post mortem carimbá-la como a entidade que é hoje... “Deve haver algo além”. Aquela voz conhecida volta a sua mente.
Lava o seu rosto por fim, deixando as indagações de lado. Eram uma grande bobagem.Esperava mais um dia comum. Em meio a suas ervas, rituais e chás. Ritos de proteção para ela e para os seus. Entretanto, uma ligação inesperada fez a bruxa sair de sua bolha da felicidade.
Pega um de seus xailes pretos com alguns detalhes em vermelho e branco, preparando-se para a viagem. Em segundos estava parada frente ao casebre.
Ao adentrá-lo, no primeiro cômodo estava a mulher sentada em uma cadeira. Parecia entediada.- Sério?
Márcia levanta a cabeça para encarar a dona da voz. O semblante da mais nova era assustado.
Inês podia sentir a aflição que Marcia sentia naquele momento e esse fato quase a compadeceu.
- Ela veio sozinha. No início como uma pesquisadora, mas as perguntas começaram a ficar... Curiosas demais, então chamei você.
- E eu agradeço. Deixe-nos a sós, por favor Caíque – Pede. Assim que o homem se distancia. Inês prossegue enquanto dava voltas ao redor da jovem – Marcia, Marcia, Marcia...
- Me solte – Diz assim que tenta se levantar, mas suas pernas não a obedecem.
- O que veio fazer aqui? – Se abaixa, ficando perigosamente próxima. Os braços ao redor da outra que prende a respiração por alguns instantes – São terras tupiniquim. Achou mesmo que iria vir aqui, sem convite, sem levantar suspeitas?
Os tupiniquim tinham suas terras demarcadas e protegidas naquela região. Viviam em harmonia com a natureza e com os seus mistérios e as misteriosas criaturas como Inês. Não era a primeira vez que se deparavam com alguém como aquela moça. Que havia ido até ali com segundas intenções por trás das desculpas. A diferença era que alguns se saíam bem em adentrar o mundo desconhecido, outros viravam presas fáceis para os perigos da cidade invisível.
- O que achou que conseguiria aqui?
- Respostas.- Além de não conhecer sobre limites, também não conhece sobre história.
- O que vai fazer comigo?
Inês se afasta, estalando a língua. Os sinais da última fala da policial noite passada voltam a sua mente. De certa forma sentia que seu brio havia sido ferido.
- Prometa não voltar mais aqui. Eles não são uma fonte de pesquisa.
- Eu só queria entender...
- Há coisas que foge a compreensão. É apenas o que deve saber.
- Por que está aqui?
- Porque eles são amigos. Fica cada vez mais difícil manter o equilíbrio natural das coisas, conforme o tempo passa. Precisamos nos manter unidos e em contato, caso surja qualquer sinal de ameaça.
- Eu sou uma ameaça? – Arqueia uma das sobrancelhas.
- Você? - Inês ri, dando as costas a outra, para voltar-se para ela novamente em um rompante. Cravando suas mãos nos braços da mulher que sentiu a vertigem. Parecia flutuar como o bater suave das asas de uma borboleta. Ou talvez fossem as do seu estômago reagindo a brusca mudança.
Abre os olhos, reconhecendo aquela sala. Onde havia contemplado pela primeira vez os dons de Inês. Ou seja lá como poderia chamar. Por fim, suspira em alívio, tentando controlar o enjôo crescente. Estava nos fundos do bar.
- Você precisa parar de fazer isso - Diz contrariada.
- E você precisa parar de se colocar em enrascadas, para que eu não tenha que fazer isso – Senta-se na poltrona que havia ali, de frente para Marcia.
- Por que se importa?
- O Eric é da família agora e você parece ser importante para ele.
Elas ficam em silêncio. As arestas pareciam ter se ajustado, mas Inês ainda mantinha dentro de si um desassossego.
- Quero propor... Um pacto – Chama a atenção da mais nova que a encara desconfiada – Um pacto de confiança. Eu lhe permitirei conhecer a mulher por detrás da entidade. E lhe provarei que o nosso mundo não é tão diferente assim do seu. Desde que, você pare com as buscas. Aceita?
As borboletas voltam a voar na barriga da policial, mas agora não havia enjôo. Então por que se sentia daquela forma?
- Eu... Aceito – Engole a seco – Desde que, você não repita mais isso de me carregar para onde bem entender. E também... Não invadirá mais a minha mente.
- O segundo já não posso prometer. É pegar ou largar. E então?
- Por que está fazendo isso? – Indaga. Apenas ser a melhor amiga de Eric não lhe parecia suficiente para colocá-la a par de tais privilégios. Quando volta seu olhar para o lugar onde Inês estava segundos atrás, o encontra vazio.
Ali estava ela, deixada sem respostas mais uma vez. Com o vazio que a falta da presença da bruxa trazia. Pensando melhor, agora sim Inês parecia com a habitual. Aparecendo o sumindo como um fantasma. Se levanta, fazendo o caminho para fora do bar.
Há alguns metros dali, a bruxa também se deparava com um fantasma, dentro de si. Um que jamais esperou evocar novamente. Não era possível, não é? Estava fazendo aquilo tudo por Eric, por Luna e pelo bem dos seus.
Ambas nutriam a ansiedade pelo próximo encontro que era acertado, pois agora tinham um pacto a cumprir.
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Magic Wings (Marinês)
FanfictionDentre todos os significados por trás desta forma de beleza natural esvoaçante, sabe-se que sempre haverá um quê divinal, quase mágico envolvendo as borboletas. E se essas asas fossem mágicas, quantas vezes bateriam até encontrar o caminho em direçã...