Era a primeira vez que pisava no comando de policiamento ambiental após o surto psicótico de Eric, como havia sido explicado o estranho comportamento do homem, resultando no afastamento de seu parceiro até que realizasse um longo tratamento. Marcia também havia sido “premiada” com algumas semanas de folga, mas sinceramente, não aguentava mais ficar parada.
O dia foi regado de ocorrências rotineiras e uma tanto quanto tediosas na concepção da policial que vinha fazendo de tudo para preencher sua mente com outra coisa que não fossem as lendas e mitos, nem tão místicos assim.E com a bruxa de traços perfeitamente desenhados para tirar a sua paz. O que sentia pela mulher havia passado de medo para uma curiosidade insaciável. E as poucas doses que podia ter, a deixavam ainda mais sedenta por saber tudo sobre ela.
E sobre as outras entidades também, é claro.
Caía uma fina chuva ao final da tarde. Saíra do trabalho diretamente para casa de Eric. O amigo estava visivelmente mais confortável com o tópico místico. Depois de quase perder a vida para o Corpo Seco e ser trazido de volta por aqueles que declararam irmandade fiel a ele dali em diante.
Camila também se encontrava na casa do policial. Apesar da relutância de Luna para com ela, a sereia vinha quebrando o gelo aos poucos e sendo uma presença cada vez mais constante na iniciação de Eric ao mundo que havia descoberto pertencer.
Assim que deixa a casa da avó do moço, ainda debaixo de uma garoa, suspira, encarando as pessoas que passavam apressadas por si. Seria alguma delas uma poderosa entidade? Ri de si mesma e de como fora de uma cética inabalável a uma pessoa que se prontificava a reconhecer a existência de seres sobre-humanos.Descansa por pouco mais de duas horas após chegar em casa até que decide ceder ao desejo gritante dentro de si. Trocando de roupa e partindo novamente.
O bar de Inês estava badalado aquela noite. No primeiro passo dentro do corredor estreito já pode ouvir a voz de Camila ressoar. Se esgueira entre os espectadores do show.
Do balcão os olhos atentos da bruxa já haviam capturado a mulher. Ou melhor, haviam sido capturados, pois Inês não conseguia desviar o seu olhar quando Marcia se aproxima ela a saúda com um quase imperceptível torcer de lábios. Alguns diriam que era um sorriso.
A jovem puxa uma respiração ansiosa antes de cumprimentá-la.
- Noite agitada, hein? – Senta em um dos bancos ali, fazendo um careta quando um homem embriagado esbarra em si enquanto passava por ali.
- Os shows da Camila sempre são. Há boatos de que a voz dela tem o poder de encantar.
Marcia revira os olhos e sorri cúmplice. Mas seu sorriso se desfaz assim que um pensamento sórdido passa por sua mente.
- Eu não como criancinhas – Inês responde em ultraje – O que pensa que sou?
- Huh... A cuca?
- Tome, está precisando.
- Huh... Eu não costumo beber nada tão forte... – Diz empurrando o copo com o líquido avermelhado que havia sido colocado a sua frente.
- Meu bar. Minhas regras – Empurra de volta.
Marcia cruza os braços, desviando o olhar entre o objeto e os olhos astutos.
- Sabe que eu posso simplesmente te obrigar, não é? – Inês completa e observa a desistência da outra que faz uma careta ao sentir o amargor do primeiro gole.
Alguns minutos depois, Marcia seguia a mais velha bar adentro. Agradecendo por ser tirada do meio da muvuca.
- Eu já volto. Fique a vontade.
Marcia se vê na mesma saleta de sempre. Candelabros, velas, ervas, e pequenos caldeirões. Ao invés da aversão, ela ofereceu um sorriso ao cenário um tanto quanto cabuloso. Começava a se sentir a vontade ali.
Na verdade, se sentia mais segura sabendo que a Cuca não a mataria a qualquer momento.Quantas pessoas ela já poderia ter vitimado? Até onde havia tido o conhecimento ela parecia ser do bem. Agia em prol do bem daqueles que a seguiam. Tenta espantar os pensamentos. Não sabia até que ponto a outra poderia invadir sua mente.
Quando ela voltou carregava uma garrafa de vinho em uma mãos e duas taças na outra. Quem olhasse de longe, diria até que eram grandes amigas aproveitando-se de uma happy hour.Marcia beberica o líquido sob o olhar atento de Inês. A policial havia perdido totalmente a coragem que levara até ali. O que havia para ser dito naquela hora?
- Pergunte. O que quiser.
- Eu não gosto da ideia de ter outra pessoa lendo os meus pensamentos.
- Eu não os leio.
- Mas...
- Eu leio a intenção que emana. As vezes traduzo imediatamente pelos anos e anos de experiência, mas o pensamento em si, só se fizer como quando a coloquei para dormir. Lembra-se?
A mais jovem torce os lábios, concordando com a cabeça.
- Como está sendo... Como está lidando com a perda dos seus amigos? – Beberica mais um pouco de vinho enquanto observava a breve expressão de choque no rosto da mais velha. Logo sendo substituída pela impassível de sempre.
Ali talvez estivesse o que fazia a bruxa se prender tanto a mulher. Marcia conseguia vê-la de forma humana, mais humana que ela mesma quando encontrava algum resquício do seu eu do passado. Mas aquela era uma porta dentro de seu ser que não abria com frequência e decerto não abriria naquele noite.
- Desculpe-me se fui invasiva. O pacto de confiança não inclui esse tipo de pergunta, entendi. Me desculpe mesmo, eu... Achei que poderíamos ser amigas – Solta um riso totalmente sem graça – Apenas esqueça que eu disse alguma coisa – Completa nervosa.
Inês ainda a encarava como se pudesse atravessar o seu corpo com um raio-x.
Amigas? A bruxa não lembrava a última vez fizera uma que não fosse do seu ciclo místico. Eles vinham até e ela os protegia. Tinha um papel definido na maioria de suas relações. Saberia como agir fora daquela ordem?
Mais uma vez a policial a pegava desprevenida.
- É... Está na minha hora – Marcia se levanta de supetão. A falta de reação de Inês havia feito acreditar que arruinara qualquer chance que tinha de se aproximar. E já começava considerar a retirada do que dissera mais cedo. Talvez ela estivesse pensando em formas de tirar a sua vida agora mesmo.
Já estava quase saindo do cômodo, quando Inês surge a sua frente num toque de mágica.
- Ai... caramba – Cambaleia para trás, tentando não se desequilibrar.
- Amigas... – Inês diz, estendendo uma de suas mãos para que Marcia apertasse. A outra reluta, mas o faz sentindo o seu corpo todo entrar em ebulição assim que suas peles se tocaram. Um arrepio cortou a sua espinha. E o coração parecia bombear o sangue mais rápido dentro do peito.
- Amigas – Repete incerta sobre o que deveria dizer. O sorriso tímido, dá lugar a um sorriso de lado a lado, que fora, surpreendentemente acompanhado pela bruxa.
E Marcia fizera uma nota mental, que talvez nunca tivesse visto um sorriso tão bonito antes.No caminho para casa, não conseguia parar de sorrir. Estava tão absorta que não notou a borboleta que a acompanhou até que estivesse segura no conforto de seu lar.
Amigos cuidavam uns dos outros, não é?
Era o que Inês repetia para si quando sua mente tentava acusá-la por ter acompanhado Marcia até em casa.
Amigas...
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Magic Wings (Marinês)
FanfictionDentre todos os significados por trás desta forma de beleza natural esvoaçante, sabe-se que sempre haverá um quê divinal, quase mágico envolvendo as borboletas. E se essas asas fossem mágicas, quantas vezes bateriam até encontrar o caminho em direçã...