A batida errática de seu coração combinou perfeitamente com o choque daquela frase que começa a ganhar um contexto assim que Inês se aproxima de si. Engatinhando sobre o colchão até que estivesse deitada do seu lado.
- Precisava me despedir de algumas coisas – Leva uma de suas mãos até a bochecha de Marcia e a palma gelada causa um calafrio bom enquanto começava a acariciar os traços delicados ao redor dos olhos castanhos vidrados em si – Coisas que antes pareciam tão importantes, mas que hoje eu sinto alívio em poder deixar ir – Confessa roucamente.
- Você... Vai ficar?
- É claro que eu vou ficar aqui. Em algum momento duvidou disso? – Pergunta retoricamente, já que podia ler nos pensamentos da jovem que sim – Marcia... – Diz de um jeito inconformado.
A policial solta um riso abafado afundando o rosto no pescoço da outra, juntando seus corpos num abraço. Aquele ato logo deu lugar a um pranto de alívio. Um pranto que vinha segurando há dias. Um transbordar necessário que desaguou serenamente sobre as sementes da esperança.
A esperança de um recomeço.
Inês espera pacientemente até que ela se acalmasse. Suas mãos acariciando-a a todo instante.
- Eu ainda posso ler sua mente? – Pergunta algum tempo depois, afastando-se para que pudesse olhá-la nos olhos e Marcia concorda com a cabeça – Será a última vez... – Admite nostálgica – E eu quero que seja com você – Completa encarando os seu olhar favorito no mundo todo.
- Me sinto honrada.
E então Inês cola suas testas e entrelaça suas mãos. Adentrar os corredores das mentes alheias nunca fora tão carinhoso. A cantiga veio com ternura. As cenas começam a se mostrar. Doía reviver os momentos em que pensou tê-la perdido. As cenas se sucedem até o breve momento onde haviam se encontrado no bar e a bruxa se dá por satisfeita.
Se separa, dando algum tempo para que Marcia voltasse a se situar na realidade.
- E então? – A policial pergunta ainda um pouco zonza.
- Você... Esteve aqui. Esteve aqui em todas as noites – Sorri emocionada, sendo invadida por uma extrema felicidade. Marcia nunca havia a deixado para trás.
- Nem viajar entre dimensões me manteve distante... Parece que existe um feitiço que não me deixa ficar longe de você – Sorri de lado.
- Feitiço é?
- Sim. De uma bruxa muito poderosa – Arregala os olhos.
Inês sorri, revirando os olhos, mas uma alegria sem igual tomava conta de seu ser.
- E que tipo de poderes são esses? – Desliza a ponta dos dedos pelo braço da mais nova, subindo até o pescoço. Desenha a linha do maxilar, apoiando a palma da mão no rosto da mais nova que estava totalmente entregue. Hipnotizada com a visão e inebriada pela saudade.
- O poder de dar sentido a minha vida ao mesmo tempo em que me tira todos os sentidos – Sussurra roucamente.
Com um sorriso resignado, a bruxa se aproxima, iniciando um beijo caloroso ao mesmo tempo em que o sol beijava o horizonte lá fora e enquanto elas se entregavam ao remanso de sentimentos que fluíam sobressaltados.
Os instintos começavam a ser aguçados.
As peles queimavam como brasa.
E as duas passageiras daquela locomotiva embarcaram numa viagem de puro êxtase. Até que caíssem exaustas uma ao lado da outra.
Enquanto o mundo realizava seu trigueiro movimento de rotação, trazendo junto a ele os mistérios os quais era testemunha:
O último olhar do curupira sobre as matas que protegera durante tanto tempo. Deixando para trás um lugar já havia sido palco de grandes felicidades, sendo a última delas a de reencontrar o saci vivo e saltitante, como de costume. Mas na mesma proporção que havia lhe feito feliz, lhe trouxera dores. E ele escolheu as deixar para trás. Juntamente a um punhado de outras entidades, que optaram por embarcar naquele vagão que os levaria ao encontro do desconhecido lugar o qual eram intimamente ligados.
Do mesmo modo que permitira a partida, causara o embalo da chegada de outros elementais que carregavam em seus corações o desejo de desbravar a liberdade do outro lado dos portões do Vilarejo o qual deixaram para trás.
Como Maria Izabel. Transformando o trio de irmãs numa dupla que teria que se virar sem ela dali em diante.
Como a jovem princesa Stella, para o completo desagrado de seu pai guardião que apesar de não gostar tanto da ideia, sabia que a garota tinha suas razões para escolher aquele destino. E não cabia a ele interferir.
E por último, mas não menos importante, como Thereza, mas ao contrário dos outros movidos por um impulso feroz do desbravamento, ela trazia consigo ao desembarcar no lugar que seria seu lar pela restante de vida que tivesse, uma grande desilusão.
(...)
A policial já havia acordado há alguns minutos, mas se manteve quieta. Apenas sentindo o ressonar pesado de Inês contra sua pele. Fato que estranhou, já que em ocasiões como aquela a bruxa sempre acordara antes de si.
Não se importando realmente, se permitiu ficar ali por mais alguns minutos, aproveitando aquele contato que tanto havia temido perder e ansiado ter de volta.
Se levanta depois de um longo tempo, lançando mais olhar para a bruxa “capotada” em sua cama, rumando para cozinha para preparar o café da manhã.
Quando Inês acordou aquele dia sentia-se diferente. Um diferente bom. Seu corpo estava pesado. Muito pesado e seu desejo era o de ficar na cama por mais algumas horas, mas o cheiro de café adentrando suas narinas juntamente a uma Márcia sorridente adentrando o quarto com uma bandeja de café da manhã, forçou a outra a sentar-se. Os cabelos estavam bagunçados e a cara amassada. Usava um blusão que pertencia a policial.
- Bom dia flor do meu dia – Deseja sentando de frente para a outra com a bandeja entre elas – Você está bem?
Inês assente em meio a um bocejo preguiçoso.
- Bom dia – Se inclina, plantando um leve selar sobre os lábios bem preenchidos – Estou cansada. E você?
- Huh... Com um pouquinho de preguiça, mas bem – Responde analisando todos os movimentos da mulher – Tem certeza que está bem?
- Acho que sim... Por que?
- É que você é sempre a primeira a levantar e nunca a vi indisposta... Nem depois de uma noite de... Bem. Você sabe...
- Não estou sentindo nada mais do que a sensação de ser demasiadamente humana – Crispa os lábios. E arregala os olhos assim que a constatação daquele fato a atinge.
Começa a tocar o próprio rosto, levantando-se de supetão, rumando para o banheiro.
Um grito pode ser ouvido e Marcia que havia ficado para trás, deveres confusa, se levanta.
Quando chega a porta do banheiro as batidas ligeiramente aceleradas de seu coração se acalmam.
Inês encarava seu reflexo no espelho e tinha o cenho franzido para o que via.
- Inês... – Chama. Não conseguindo sua atenção de imediato – Amor... – Dessa vez olhos assustados se voltam para os castanhos calmos.
- O que é isso?
Marcia segue o gesto em que a mulher apontava para o topo de sua própria cabeça.
- Cabelo? – Pergunta pausadamente.
- Cabelos... Brancos – Diz desgostosa, voltando a olhar desolada para o espelho – Eu tenho cabelos brancos.
A policial a encara por alguns segundos, ponderando. Pelo visto o cansaço e agora aquela mudança em parte de sua aparência se dava ao fato de não ter mais a divindade em seu corpo. Não eram muitos, alguns poucos fios que nem mesmo havia notado, contrastando com os negros. Não parecia grande coisa, mas para Inês parecia ser um choque e mesmo sentindo que estava pisando em ovos, se aproxima, enlaçando a cintura da outra com seus braços, abraçando-a por trás com o queixo repousado em seu ombro.
- Sim... Você tem. Como uma linda mulher que carrega lindos sinais de sabedoria.
Inês a encara de volta através do espelho.
- Além do mais, eu também tenho – Marcia continua, dando de ombros como se não fosse nada – Existe uma coisa chamada tinta de cabelo que costuma servir... Ai – Reclama quando recebe um tapa da mais velha em seu braço.
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Magic Wings (Marinês)
FanfictionDentre todos os significados por trás desta forma de beleza natural esvoaçante, sabe-se que sempre haverá um quê divinal, quase mágico envolvendo as borboletas. E se essas asas fossem mágicas, quantas vezes bateriam até encontrar o caminho em direçã...