Alma Morta

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#Lyra#

Senti a pressão dos lábios sobre o meu rosto, feliz, a noite passada havia sido a melhor que já tivera, mas ainda assim sabia que muitas ainda melhores viriam. Demorei a abrir os olhos, esperando dormir um pouco mais ou que o motivo do meu ótimo sono se deitasse novamente pra outra rodada, ri de mim mesma, para alguém que era virgem até poucas horas atrás estava com tesão demais.

_ Que fofa._ ouvi a voz desdenhosa da qual me lembrei imediatamente. Abri os olhos e me levantei o mais rápido que pude.

_ Como você entrou aqui ?_ disse com a voz vacilante.

_ Eu tenho quatrocentos anos minha querida, realmente acha que eu nunca invadi um lugar como esse ou arrebentei algumas fechaduras?_ ela disse rindo.

_ O que você quer?

_ Isso não vem ao caso. O que importa é o que eu planejei pra você, vamos nos divertir bastante._ disse sorrindo friamente e se aproximando de mim.

_ Não chegue perto de mim, você não pode me tocar, Nick não vai deixar._ disse com medo na voz.
Mal terminei a frase quando de repente Sirena estava na minha frente, tentei gritar, assustada, precisava chamar por ele mas não consegui, a vampira tapou minha boca impedindo que qualquer som saísse, me lembrei do isolamento acústico de que ele me falara, entrei em desespero, ele não ouviria mesmo que eu gritasse, tentei fugir da mulher, mas tudo que pude fazer foi derrubar a cadeira e os objetos que estavam perto. De súbito a compreensão me atingiu como um trem desgovernado que leva tudo no seu caminho deixando um rastro de destruição, eu iria morrer, Sirena me faria sofrer e depois me mataria, lágrimas rolaram dos meus olhos antes das pernas fraquejarem e tudo escurecer ao redor, era o fim para mim.

...

Acordei de repente, assustada, pensei que havia sido só outro pesadelo, como tive em toda minha vida, precisava ser, Sirena não poderia ter me atacado. Senti dor subitamente, uma dor excruciante que começava no meu peito e se espalhava por todo o corpo, como se estourasse de dentro para fora de novo e de novo. Me retorci em agonia, esperando que aquela tormenta passasse, gritei o mais alto que consegui e senti as lágrimas caindo pelo rosto, o ar faltou nos pulmões e desejei morrer a passar por aquilo por mais tempo.

_ Se acalme, é só parar de lutar, a dor vai diminuir em breve._ ouvi Sirena dizer, estava baixo, quase sussurrado mas penetrou em meus tímpanos como agulhas, fiz o que ela dissera e parei de resistir, talvez isso fizesse a morte vir mais rápido, pensei em Nicholai, na noite que tivemos, estava feliz por, pelo menos isso, não ser mais uma incógnita para mim, fechei os olhos e esperei, todo meu corpo se enfraqueceu e desmaiei em seguida.

....

_ Hora de acordar._ ouvi a voz ao longe, estava imersa em uma grande sensação de calmaria, de paz, não, não queria acordar ainda ._ Vamos, acorde, ele vai chegar em breve e precisamos estar prontas._ a mulher disse, obedeci desta vez e abri os olhos, estava escuro mas consegui ver claramente tudo ao meu redor, estava numa jaula, grande e com barras grossas, não entendi nada daquilo. Tentei falar algo, qualquer coisa, mas o aperto na minha garganta não permitiu, levei a mão até o pescoço e me dei conta do que estava sentindo, sede.

_ Agora você sabe como é, estou certa ? O desespero, a sede._ disse a mulher rindo, maldita._ Eu trouxe uma coisinha pra você criança._ ela disse balançando um copo que pude ver por entre as grades. O cheiro chegou a mim, estranhei, ela estava a pelo menos 5 metros de distância, como poderia estar sentindo? E por que diabos aquilo cheirava tão bem?
Suspirei de ansiedade, a fome se apossando do meu corpo, me levantei mais rápido do que era possível pra um corpo humano fazer e corri até a grade, tentei alcançar Sirena e o copo que ela segurava mas senti uma dor dilacerante quando encostei na barra, queimava como o inferno, me afastei rápido.

_ É prata, uma jaula pra lobisomens ou pra vampiros terem o frenesi da transformação, você foi bastante agressiva, que eu adorei assistir._ ela falou se aproximando devagar, passos de precisão felina, mortal._ Mas o meu amigo aqui é que não gostou muito não._ falou apontando o homem caído num canto, estava sangrando mas algo me dizia que ele não estava vivo. Senti medo.

_ O que você fez com ele ?_ perguntei para a vampira, os olhos do mais assustador pesadelo que eu já tivera.

_ Eu pedi a ajuda dele porque minha amiga estava passando muito mal e ele veio socorrer como um perfeito cavalheiro._ ela disse em tom de deboche._ Eu bebi um pouco dele mas deixei um pouco pra você, o suficiente pra completar a transição e ainda estar faminta o bastante pra ser legal._ disse colocando o copo no chão da jaula, ao meu alcance. Senti asco, beber o sangue dele? Compreensão me atingiu, a sede, o desespero, o cheiro do sangue no copo, Sirena me transformara numa vampira.

_ Não, eu não vou beber isso._ disse com a mão contra o pescoço me envolvendo num canto da parede.

_ Você vai, Nick vai chegar e eu quero que ele veja o que eu fiz, o monstro em que eu transformei a sua adorada companheira._ ela disse.

_ Eu não sou um monstro e você também não precisa ser._ eu disse baixo, estava confusa, assustada._ Por que o odeia tanto?

_ Ele nunca te contou?_ disse andando pelo lugar.

_ Só o conheço a 4 dias._ disse._ Nem sabia sobre os vampiros até ontem a noite._ completei. Sirena riu.

_ Pois bem criança, eu conto._ disse._ Eu estava lá quando Dário transformou seu querido Nick para que ele não sucumbisse a varíola. Dário e eu éramos casados, destinados, estávamos felizes viajando pela Europa quando fomos capturados, Nick escapou mas nós não. Ele era leal como um cão, não nos deixaria lá. Mas os habitantes sabiam sobre nós e Dário viu o meu sofrimento então barganhou. Se entregaria a execução se me poupassem por mais um dia._ ela disse com um sorriso amargo nos lábios vermelhos._ Eles aceitaram e quando a hora da execução chegou Dário sussurrou enquanto os humanos jogavam lenha na fogueira dele. "Cuide dela, meu filho" ele disse e depois queimou até os ossos. Foi quando minha alma morreu. Nick me tirou da prisão naquela noite e cuidou de mim, tentando me fazer parar de chorar sangue pela morte do amor que eu perdi.

_ Isso é triste mas a morte desse homem não foi culpa do Nick. Ele salvou sua vida. Por que o odeia ?_ perguntei novamente.

_ Porque mais de um século depois disso ele me viu tomar o sangue de uma criança num vilarejo destruído pela guerra. Então decidiu que eu tinha me tornado sanguinária demais, homenzinho de moral exemplar._ riu._ Eu não tenho alma, o que ele esperava? Eu deveria ter morrido também, almas mortas enlouquecem e se tornam monstros.
Eu fiquei mal depois que ele foi embora então vim pra cá pra procurar por ele anos depois, mas ele estava morando aqui com a bruxa. Era um lugar bem charmoso, devia ter visto a uns 70 anos atrás, ela me queimou só mexendo os dedos e soltando algumas palavras._ ela disse se virando e tirando das costas os longos cabelos ruivos, havia uma marca ali, grande como uma bola de futebol._ Eu fui embora e esperei, achei que ele voltaria pra mim quando ela morresse, mas não voltou, eu procurei de novo mas demorei 20 anos pra encontrá-lo com você. Ele vai sentir a dor, você vai mata-lo Lyra._ disse sorrindo.

_ Eu não vou fazer isso._ disse fechando os olhos para recobrar o controle.

_ Vai sim, querida._ disse._ Eu sou a sua criadora e você é biologicamente leal a mim, agora seja boazinha e beba._ disse.

Olhei para ela, os olhos azuis da mulher brilharam, convidativos, lindos, todo o meu corpo relaxou e se curvou, e então não havia realmente um bom motivo pra resistir, me aproximei e alcancei devagar o copo, levei-o a boca e bebi dele.

#continua#

O Clã Northson- NICK    Onde histórias criam vida. Descubra agora