le riz

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Primavera

15 de maio de 1940.


Querida Elizabeth,



É com muita gratidão que lhe escrevo essa carta. Gratidão, pois sua última resposta me deu a sensação de estar em casa novamente, Londres, não Doncaster. Nem mesmo as refeições que fazemos aqui - apesar de imitarem nossos pratos cotidianos - têm o mesmo sabor. Na verdade, outros companheiros e eu percebemos o quanto os gostos são distintos.


Tudo começa simples, por uma semente. Uma semente tão pequena que sequer parece gerar nada. Muito menos a vida. Pergunto-me com frequência o que pensou o primeiro homem que olhou para ele e imaginou que aquilo seria um excelente ingrediente para refeições. Entretanto, não me surpreende, uma vez que fora descoberto pelos asiáticos - sempre tão mais inteligentes que qualquer britânico poderia sonhar.


Dá para acreditar que esse mísero grão alimenta mais da metade do mundo inteiro?! É uma cultura de produção gigantesca, tenho certeza de já ter lido sobre isso em algum lugar.


Mas é um longo caminho até que ele seja cozido e incorporado no Chicken Tikka Masala¹ que nós somos tão habituados a consumir. Tudo começa com um grande alagado no qual um solo com grande quantidade de nutrientes é inteiramente coberto por água. O nosso vem de Bangladesh2, em sua maioria. Depois que o lugar é definido, é necessário que haja a desinfecção das sementes - o que é meio óbvio, já que elas precisam estar em um lugar úmido perfeito para a proliferação de fungos.


Depois, existe um longo processo para distribuí-las e enterrá-las profundamente no solo. Além disso, depois que ele é colhido o solo fica esgotado. Imagina, Elizabeth, uma semente ridiculamente pequena que chega ao nosso continente de barco em sacos de estopa, levar consigo todos os nutrientes que o solo asiático poderia dispor?!


Enfim, depois que ele chega na pequena ilha que chamamos de lar, eles envasam os quilos separados para que possamos comprar e comer nosso Curry no calor de nossos lares. Hoje fizeram justamente esse prato no alojamento, mas amargou minha boca.


Porque a verdade é: comer algo com tamanha cara de casa lembra a mim, e a tantos outros, quão distantes de nossos lares estamos. E não há nada pior que se sentir distante do lugar que nos criou, que nos compõe, que nos pertence. Lembrar de Londres sempre me traz um amargor e uma angústia.


Anseio poder comer Currys verdadeiramente ingleses em breve e temo não poder fazê-lo nunca mais.


Como andam as coisas por aí Elizabeth?! Espero que melhores que aqui.


Com amor,



Robbie.


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Notas de rodapé:

1: esse é o nome de um tipo de Curry - um prato anglo-indiano. O citado acima foi inventado na Escócia. Eles marinam o frango com temperos indianos e outros e depois o cozinham com verdurinhas e um molho de iogurte. Esse caldo é servido com arroz Basmati e pão chato Naam, mas a título de encaixe na história, vamos considerar que seja o arroz branco agulhinha que nós conhecemos J

2: é preciso esclarecer que esse é um dado recente - de 2000 em diante. Nãoencontrei a informação da origem do arroz consumido no Reino Unido em 1940, masesse dado serviu como ilustração, sem ligação direta com o enredo em si.


Notas da autora: existirão capítulos adicionais com alguns trechos de cartas trocadas entre a Elizabeth e o Robert e também flashbacks do passado a fim de me auxiliar a costurar a narrativa de Louis e Harry, bem como aprofundar a história para vocês!

lonely roads that leads to no where | l.s. ficOnde histórias criam vida. Descubra agora