Dia D

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Quarto. Despertador. Cama. Meia. Porta. Banheiro. Chuveiro. Sabonete. Shampoo anti-caspa. Condicionador. Água. Toalha. Pia. Escova de dente. Pasta. Torneira. Porta. Uniforme. Sapato. Boina. Mochila. Porta. Corredor. Escada.                   
  O dia havia começado de forma normal na vida de Elliot Andrew. Tinha 16 anos, 1º ano do Ensino Médio, pois repetiu o ano. Quase ele escorregou na escada, pois havia algo que não conseguia tirar da cabeça e que tirou seu sono.                          
  Estudava no Colégio Militar de Inteligência Máxima. “Inteligência Máxima”; era um trocadilho com “Segurança Máxima” como uma forma da instituição militar demonstrar o nível de empenho da escola em fazer seus alunos darem o máximo de suas mentes. O que Elliot achava ridículo, conhecendo a escola em que vivia e sabendo que na prática as coisas eram bem diferentes, com um nível não tão alto, “melhor escola, melhor educação... que piada, por falar nisso, é hoje. É hoje que vou conhecer o tal Projeto Alter-ego.”                                          
  “Uma pessoa melhor”; pensou enquanto andava até a cozinha.                          
__ Animado para a terapia de hoje?__ disse seu pai segurando sua velha caneca branca escrita: “Pai #1”. Estava com seu uniforme escuro de policial, com boina na cabeça e seu nome no uniforme: Afonso. Era alto, forte, tinha cavanhaque e era careca.             
  A tal terapia mencionada por seu pai era uma sessão extra “requisitada” por Elliot. As aspas em requisitar eram porque a terapeuta Diana que dissera isso ao seu pai. Afonso ficou receoso em permitir por questões financeiras, mas a psicóloga ofereceu desconto e prontamente ele aceitou.                                     
  “Dance conforme a música, Elliot, dance conforme a música”.             
__ Estou sim__ disse Elliot forçando um sorriso e sentando-se à mesa.             
__ Seu café já está pronto, querido. Também já cortei seu pão e passei manteiga nele__ disse sua mãe com um olhar doce e afável enquanto comia pães torrados. Ela era magra, baixa, pele clara feito porcelana, cabelos lisos e naquele momento usava um vestido florido.                                                        
  Os dois estavam de bom-humor naquela manhã, a terapia de casal parecia estar funcionando.                                                        
  Elliot comeu os dois pães franceses no seu prato e tomou café com leite buscando simular naturalidade. “Mostre para eles que está progredindo, Elliot, se parecer que está tão triste como de costume, eles duvidarão de mim e então adeus, Alter-ego”; recordou-se das palavras de Diana.                                        
  Era difícil parecer normal, não estava tão triste assim, na verdade estava ansioso, preocupado e apreensivo. A terapeuta lhe revelou pouco de como funcionaria o projeto, então a noite inteira várias perguntas perturbaram a mente do rapaz e o resultado disso? Cara de cansado, olheiras e dores no corpo, principalmente nas costas, esperava não estar parecendo um morto-vivo fingindo ser ainda humano.             
__ Estou orgulhoso de você, filho. Fico feliz que esteja querendo melhorar, tenho certeza de que se Charlie estivesse aqui também iria estar orgulhoso__ disse o pai.      
  “Se Charlie estivesse aqui, ia tentar me impedir”; pensou Elliot.                           
  Seu pai o levou para a escola com sua viatura, geralmente Elliot iria sozinho dirigindo a caminhonete, mas foi proibido de usá-la depois da morte do amigo. Desde a morte dele, seus pais ficaram mais cautelosos, pois Elliot era filho único. O hábito de cortar pão e passar manteiga não ser mais algo que o filho fazia era uma demonstração disso.
  As aulas começaram e o jovem mal prestava atenção nas aulas, pois estava dormindo... Elliot! Elliot!                                                    
__ Elliot! Elliot!                                                  
  Ele acordou bruscamente, era seu professor o chamando com um semblante nada amigável.                                       
__ Sim, professor__ o respondeu.                               
__ Acorde rapaz. Fiz uma pergunta: qual foi o primeiro animal criado por uma clonagem bem sucedida?                                              
  “Dolly, Dolly, ovelha Dolly”; ouviu uma voz sussurrando.                            
__ Silêncio!__ disse o professor, nervoso__ Então Elliot?                           
__ A... hã... a velha Dori?                                       
  Os alunos ao redor riram, o que fez o professor ficar ainda mais nervoso.  
__ Está brincando comigo, Elliot? Quer me fazer de palhaço?                      
__ N-não professor. Desculpa, não quis ofender__ disse constrangido.              
__ Se continuar agindo assim, eu sinto pena do seu boletim no final do bimestre__ disse com desprezo e depois se voltou para a turma__ alguém sabe a resposta?     
  Uma garota levantou a mão.                             
__ Pois não, Rosa? Pode responder.                                
__ Ovelha Dolly, professor.                                       
__ Certa resposta. Devia seguir o exemplo de Rosa e prestar mais atenção nas aulas, Elliot.                                                        
  Ele corou, sentiu-se envergonhado por ter feito papel de ridículo perto de Rosa, o amor de sua vida. Ela tinha uma voz suave, era asiática, cabelos lisos, um corpo escultural e estava sempre arrumadinha, com a farda impecável e era considerada uma das mais inteligentes da sala e para o Elliot era a mais bonita. Nunca havia a chamado para sair, o mais próximo de uma conversa com ela foi: “Oi” e uma vez que ele respondeu quando ela perguntou: “Sabe onde fica o banheiro?”.
  Passou-se uma aula aqui, outra ali e a expectativa de Elliot sobre o tal projeto Alter-ego só aumentava... “será que realmente serei uma pessoa melhor e conseguirei chamar a Rosa para sair?”.                                            
  “Ei, Elliot, Elliot”; disse uma voz próxima a ele durante a aula de história. Elliot virou-se para o lado e percebeu que era Allan, com seus clássicos óculos fundo de garrafa, chamando-o.                                       
__ O que foi?__ indagou Elliot.                            
__ Ainda quer o gabarito da prova de recuperação de química?                                   
__ Tanto faz__ e virou-se para frente para fingir que estava prestando atenção no que o professor dizia.                          
  Allan ficou confuso e sem entender.                                  
  O recreio chegou e Elliot foi lanchar sozinho. O prato daquela agradável manhã era purê, ervilhas, pão com presunto e queijo e um copo de achocolatado.       
  Enquanto ele comia o pão, havia uns rapazes brincando de “5 cortes” próximos dali com uma bola de vôlei. O garoto não deu muita atenção até que a bola o atingiu direto na cabeça, fazendo com que ele batesse de cara com o purê. Os garotos foram até ele pedir desculpas enquanto Elliot era alvo de risadas.                                       
  Elliot devolveu a bola tentando parecer que não estava zangado. Um policial militar estava por perto quando aconteceu, confiscou a bola e ameaçou expulsar os meninos caso os visse brincando de bola no refeitório novamente.                                       
__ Está tudo bem, garoto?__ disse o militar lhe dando um lenço.                     
__ Está sim__ e foi embora para o banheiro enquanto enxugava o rosto.      
  Ao entrar no banheiro, ligou a torneira da pia e lavou a cara e o que restava de comida do uniforme. Olhou-se no espelho, sentia-se feio e cansado, queria voar para bem longe daquela escola, não pôde evitar soltar algumas lágrimas.         
  Um casal entrou no banheiro em seguida. Ficaram se agarrando, indo em direção a um dos boxes, onde se trancaram, ignorando por completo a presença de Elliot, como se fosse invisível. Ele reconheceu a garota: era Rosa, que estava desarrumada e bastante feliz enquanto era agarrada e beijada pelo rapaz com quem se trancou.       
  Houve muitos risinhos, gemidos, elogios e palavras obscenas, Elliot bateu em retirada, pois sua imaginação estava deixando-o enojado e estranhamente excitado ao mesmo tempo.                                                  
  O recreio acabou e todos voltaram as suas respectivas salas. Rosa estava um pouco desarrumada, suas vestes amarrotadas, por mais que houvesse um esforço por parte dela de agir como nada tivesse acontecido.                                                    
  A aula de química começou e a prova de recuperação também. Elliot não estudou e nem estava com o gabarito. Além disso, ele não conseguia manter-se concentrado.
  Projeto. Bola. Purê. Refeitório. Professor. Ovelha. Dolly. Velha. Dori. Vergonha. Rosa. Banheiro. Beijos. Espelho. Feio.                          
   A mente de Elliot pensava em diversas coisas ao mesmo tempo. Em tudo que havia passado naquele dia. Estar naquela escola parecia uma eternidade, mal esperava para sair de lá para ver logo o tal cientista, “será que vou mesmo ser uma pessoa melhor depois de hoje?”.                                      
  Entregou a prova à professora já sabendo do resultado.                    
  Finalmente as aulas acabaram e ele podia voltar para casa.                                 
  Voltou de ônibus e almoçou em casa bem rápido, pois dessa vez não faltaria ao curso, ele iria fazer diferente... ele ia sair no meio da aula.                     
  13:00. Era a hora que começava a seu curso preparatório para o vestibular. 17:00 era o término. Sairia às 14:30, onde esperaria na parada de ônibus a vinda de sua terapeuta, que o levaria de carona até o cientista.                          
  Quando estava na aula do curso não parava de olhar o seu relógio, as horas pareciam voar. Controlou-se para sair da sala civilizadamente. Sua terapeuta lhe mandou uma mensagem no celular dizendo que estava a caminho.                                   
  Na parada de ônibus, seu coração estava acelerado e ele não conseguia ficar quieto. O tempo passou devagar, ele chegou até a pensar que ela nem viria mais. Mas ela veio e nem demorou muito, só na cabeça de Elliot.                                                
__ Oi, Elliot.                                           
__ Oi, Sra. Diana__ respondeu.                               
__ Ansioso? Está preparado?                              
__ Mais ou menos.                                           
__ Ainda está inseguro, não é?        
__ Podia me dar mais detalhes?                                  
__ Bom, vou lhe contar uma história.__ e começou a dirigir__ Certa vez havia um garoto que gostava de tocar piano e era bom nisso. Seus pais o achavam talentoso, mas o incentivaram a ser médico, dizendo que era porque era mais seguro e dava mais dinheiro.   
  O garoto então cresceu, virou médico. Um médico frustrado com a vida, que não se sentia realizado na sua carreira profissional. Esse médico foi meu paciente. Ele queria ser pianista, mas era algo incerto financeiramente e ele tinha família. E sabe qual foi a solução? O Projeto Alter-ego ativou o pianista que havia dentro dele e sabe o que é melhor? Ele ainda conseguiu ser médico, mas dessa vez mais feliz e trazendo essa felicidade para o seu ambiente de trabalho.                      
__ E como o Projeto fez isso?                             
__ Você está prestes a descobrir__ disse com um sorriso otimista que trouxe segurança para Elliot.

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