"É pelos mortos que temos de chorar, não pelos vivos"; as palavras de Elliot ecoavam na mente de Walter, "se é pelos mortos que temos de chorar então lhe darei um motivo para que pare de chorar". Enquanto pedalava a bicicleta apressadamente, as palavras de Elliot ecoavam em sua mente várias vezes, "é pelos mortos que temos de chorar, não pelos vivos, pelos vivos, pelos vivos...".
__ Ainda existe esperança,__ disse ele consigo mesmo__ não vou te decepcionar, não vou!
Estava com o uniforme do colégio, sem as meias, de chinelo e pedalando a caminho da casa do Dr. Clóvis.
Dr. Clóvis ficou surpreso quando recebeu na porta um garoto cansado, suado e que mal conseguia falar.
__ Entre__ disse prontamente__ Respire um pouco que vou lhe dar um copo de água.
Foram até a cozinha onde conversaram na mesa de jantar.
__ Então, Alter-Elliot, o que veio fazer aqui?
__ Como sabe que sou eu?
__ Faz poucos minutos que o Elliot ligou perguntando por você. O que houve? Vocês brigaram? Se procura por melhorar sua relação com Elliot sugiro que fale com Diana. Ela o conhece melhor do que eu.
__ Não briguei com ele, mas estou aqui por causa dele. Foi bom você ter falado sobre Diana porque o que eu quero falar envolve justamente ela e você.
__ Ela e eu?__ disse intrigado.
__ Sim, e o que esconderam dele.
__ E o que foi que escondemos dele?
__ Que existe uma chance de reviver o Charlie.
__ Não sei do que está falando. Já disse para os dois que não tem como fazer isso.
__ Mas mentiu.
__ Está me chamando de mentiroso dentro da minha própria casa?__ disse incomodado.
__ Eu ouvi tudo, doutor. Tudo o que você e Diana conversaram na cozinha. Sobre... "reviver o Lázaro".
__ Lázaro? Pensei que estivesse aqui pelo Charlie, aliás, você me ouviu falando do Charlie naquela ocasião?
__ Sabe o que eu acho engraçado, doutor? Você se incomodou quando te chamei de mentiroso na sua casa, mas não se incomodou quando a Diana fez o mesmo!
__ Por que veio aqui?
__ Eu quero a verdade.
__ Saia da minha casa.
__ Pode deixar. Eu vou marcar uma consulta com a Diana também, a gente tem tanto pra conversar!__ disse com ironia, depois se levantou.
Clóvis segurou seu pulso.
__Espere, sente-se, por favor. Vamos conversar.
Walter sentou-se o olhando fixamente.
__ Você quer a verdade, ótimo, pois eu vou contar a verdade. Mas antes preciso te fazer uma pergunta: por que você não contou ao Elliot?__ questionou Clóvis.
__ Porque...__ hesitou, disse pensativo__ porque não sei como ele ia reagir. Achei que isso de alguma forma o impediria de seguir em frente, mas ae uma coisa aconteceu hoje.
__ E o que foi?
__ Elliot precisa de esperança, doutor. É só o que precisa saber no momento, eu já respondi sua pergunta, agora responda a minha.
__ Bom, houve uma paciente da Dra. Diana que havia perdido a irmã. A Diana se compadeceu do seu sofrimento e sugeriu o projeto Alter-ego. Eu nunca havia feito algo assim antes... quer dizer, eu tentei com ratos e só, mas nunca funcionou. Diana queria que eu fizesse um clone da irmã morta, mas era inviável no momento. Ela me convenceu a fazer isso, até me fez conversar com a moça. Modéstia a parte, se tem alguém que era capaz de algo assim era eu, visto que eu tinha sido o que tinha chegado mais longe na história da clonagem humana.
Depois de tanto tempo calculando e testando eu consegui a chegar a bons resultados com animais, me senti seguro para testar em humanos. Eletricidade, sangue fresco da irmã morta somados ao sangue da irmã viva e o cabelo da falecida. Victor Frankstein tinha um pouco de verdade em reviver seu monstro com relâmpago. Eu fiz isso, mas improvisei, não esperei que chovesse.
E... aconteceu. Consegui. A irmã da falecida estava presente no dia. A paciente ficou tão feliz. A paciente ficou tão feliz quando viu a irmã viva, mas durou pouco.
A mulher falecida enlouqueceu ao se dar conta que tinha morrido e reviveu, ao ver o seu cadáver ela surtou, nos agrediu, chegou a me morder, até hoje tenho marca da mordida__ e mostrou a cicatriz no braço__ E no final de tudo ela se desfez em pó, não durou nem duas horas de vida. Entende agora por que eu não quis contar ao Elliot?
Walter demorou para responder, disse com a decepção estampada no rosto:
__ Então não há mais esperança? O pai dele levou um tiro hoje, a situação é grave, ele pode morrer. Achei que reviver Charlie pudesse lhe dar um pouco de alegria.
__ Bom, ainda que acontecesse... haveria um preço alto a se pagar, Charlie surtaria e morreria de novo na frente do amigo. Não foi assim que ele morreu da última vez, na frente dele? 5 dias depois daquela moça ver sua irmã morrer na sua frente, lá na casa dela... ela foi encontrada morta, estava pendurada com uma corda amarrada no pescoço. Desde aquele dia eu prometi a mim mesmo que nunca mais tentaria reviver alguém na vida.
A natureza segue um curso natural e a morte faz parte disso. Quando você quer algo da natureza, tem de oferecer algo em troca. Não pode plantar laranja e esperar que nasça limão, nem ordenhar vaca e esperar que saia suco de abacaxi. Clonagem humana faz parte do princípio "vida+ vida". Vida que gera outra vida, mas reviver mortos parte de qual princípio? Não se pode criar algo do nada. Na alquimia isso se chama "princípio da troca equivalente".
Meu erro foi tirar leite de pedra, todos os animais testados por mim viraram pó, descobri depois e não duraram muito.
Sabe por que o criei, Alter-Elliot? Não foi para reviver Charlie, foi para reviver o Elliot. Ele estava morrendo por dentro e você é a esperança dele. Reviver Charlie não irá trazer mais esperança e sim vai mata-lo ainda mais.
Alter-Elliot ficou pensativo e cabisbaixo.
__ Vai contar o que eu disse ao Elliot?__ questionou Clóvis.
__ Não__ respondeu com tristeza na voz.
__ Ótimo. Ninguém é eterno, meu caro clone, ninguém, nem mesmo você.
__ Espera, se eu vou morrer, então farei o Elliot sofrer de novo?
__ O sofrimento é inevitável, com ou sem você na vida do seu amigo. Não é o sofrimento que nos define, é a forma como lidamos com ele. Você pode ajudar o Elliot a lidar com o sofrimento de forma melhor, menos dolorosa. Não reviva o Charlie, reviva o Elliot.
Walter saiu da casa do Dr. Clóvis bastante reflexivo com as palavras do cientista, mas estava em conflito com o que ouviu Elliot dizer.
"É pelos mortos que temos de chorar, não pelos vivos".
"Não reviva o Charlie, reviva o Elliot".
__ Espera, você esqueceu sua mochila!__ disse Clóvis com a mochila dele na mão__ vai ao curso hoje?
__ Não, só trouxe porque precisava de um álibi__ disse pegando a bolsa.
Pôs a mochila na costa, montou sua bicicleta e foi embora. Havia mais do que um motivo para ele ter trazido a mochila, ela não estava vazia. Havia caderno, livro e um gravador ligado, ele trouxe para a casa do cientista no caso do cientista mentir novamente e Walter viesse a se passar por mentiroso caso quisesse contar a verdade para Elliot. No entanto depois da conversa com o doutor, não sabia se apagava ou guardava a gravação para um momento mais oportuno.
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Alter-ego
Lãng mạnElliot e Charlie eram amigos inseparáveis, até que uma infeliz tragédia leva a morte de Charlie. Enlutado, Elliot procura ajuda por meio de uma terapeuta para poder seguir em frente. A terapeuta lhe sugere o projeto Alter-ego, um projeto que tem o o...