__ Por que não me deixou matá-lo?__ disse Clóvis angustiado.
__ Você prometeu que não iria matar ele se eu te livrasse das algemas, lembra?
__ Não interessa! Eu quero saber o motivo.
__ Matar ele vai curar a Diana?
Clóvis hesitou e disse:
__ Sabe, eu poderia perdoar o que ele fez a mim, mas não posso perdoar o que ele fez com ela. É por causa dele que ela está nesse estado.
Ainda estavam no Hefesto, desde que Alter-Charlie saiu de lá barulhos de objetos se quebrando e tiros eram ouvidos, também havia som de passos rápidos, socos, chutes, grunhidos, gemidos de raiva. Parecia estar havendo uma guerra.
__ Solte meu sobrinho!__ ouviram Charles dizer.
__ Se eu soltar ele me ma... au! Ele me mordeu, cão desgraçado!
__ Não chame ele de cão... pare Charlie, eu tô tentando te ajudar.
E mais daqueles barulhos característicos da confusão que imperava naquela casa, até que veio um súbito silêncio, que foi cortado por sons de ronco de motor de carro, enquanto isso Elliot tentava acalmar Clóvis.
__ Por que sente raiva dele e não do Charlie que empurrou ela?
__ Por que o Charlie nunca teve intenção de machucá-la, já o tio ameaçou ela assim como o dono dele, o seu clone! Aquele seu tio virou um cãozinho adestrado...
__ Ele não é um cãozinho adestrado, ele foi enganado!__ defendeu Elliot nervoso.
__ É, ele foi enganado? Enganado fui eu achando que o Projeto Alter-ego poderia ajudar a humanidade... parecia bom demais pra ser verdade... talvez a culpa tenha sido minha mesmo, eu criei o problema criando esse projeto que só está me dando dor de cabeça!__ disse Clóvis tristemente.
Elliot disse mais calmo e tentou o consolar:
__ Não foi culpa sua, foi minha. Walter veio de mim, é o meu clone, não sei o que fiz pra ele ficar daquele jeito. O que eu sei é que ele virou um problema e eu mesmo vou resolver.
__ E como vai fazer isso?
__ Saindo desse porão primeiro, venha, vamos tirar a Diana daqui e leva-la a um lugar melhor.
__ Certo, vamos ao quarto de hóspedes.
Eles então carregaram o corpo inconsciente de Diana para fora dali e ao subirem as escadas perceberam que a casa estava um caos.
A casa estava irreconhecível. A TV caiu, a tela se estilhaçou e estava com marcas de bala, havia cacos de vidro na sala de estar, havia furos no teto e na parede, a cozinha estava revirada do avesso como se um ciclone estivesse passado por lá, também havia sangue, café e pó. O pó disputava espaço com os cacos de vidro, mas destoava de todo aquele ambiente devastado, alguns vasos de planta haviam se quebrado, no entanto havia rastros de pó que aparentavam ser de barro seco diferente do tipo de terra dos vasos, os rastros de pó terminavam na garagem. Na garagem a van verde havia desaparecido e a porta da garagem estava quebrada, chamando atenção de alguns vizinhos. Na parte de fora Elliot viu uma ambulância avançando pela rua, não parecia ser um bom sinal.
__ De onde acha que veio todo aquele pó?__ indagou Elliot.
Clóvis o olhou reflexivo e disse:
__ Sabe da Charlote?
__ Sei, você tentou revivê-la e era a irmã da Diana.
__ E sabe como ela morreu?
__ De ataque cardíaco.
__ Me refiro a segunda vez.
__ A Diana não me disse, só disse que ela enlouqueceu e morreu.
__ Certo, se ela não contou, eu vou contar. Ela teve um tempo de vida bem curto, ela morreu se desfazendo em pó na nossa frente. Foi como se fosse um castelo de areia se desmanchando, normalmente para uma pessoa virar pó depois de morrer demora muito... mas no caso de Charlote isso aconteceu bem antes do tempo.
__ Então tá me dizendo que Charlie vai virar pó?
__ Isso mesmo, a tendência é esta.
__ Mas... você não fez o possível pra que o resultado fosse diferente?
__ Garanti, mas estamos lidando com um campo desconhecido na ciência. O ser humano procura formas de vencer a morte pelos próprios esforços, mas sempre falha. Eu fui o que cheguei mais perto... mas eu não faço milagres.
__ Mas você disse ao Walter...
__ Eu diria qualquer coisa pra ele não fazer mal a Diana. Até mentir, que aliás é o que você tá fazendo.
__ Eu?__ disse surpreso__ Onde que eu tô mentindo?
__ Disse não saber a razão do seu alter-ego estar fazendo isso, mas sabe sim. Pense bem, garoto, ele é uma parte sua... o que fez Alter-Elliot pensar que Elliot queria trazer o melhor amigo dos mortos?
Ele demorou para responder e disse:
__ Eu disse que queria o Charlie de volta, eu disse lá no sítio do tio Charles. Ele me perguntou se eu pudesse ter a chance de revivê-lo, se eu aceitaria...__ pensou reflexivo.
__ Então já sabe onde procurar.
Elliot hesitou.
__ Mas... e a Diana e você?__ disse ele preocupado.
__ Deixe que eu cuido dela, eu não vou a lugar algum. Agora saia daqui antes que seja tarde demais.
__ Tarde demais? Existe alguma chance de eu salvar o Charlie?
__ É tarde demais para salvar seu amigo__ disse Diana.
__ Diana?__ disse o garoto surpreso__ Há quanto você tá acordada?
__ É tarde demais para Charlie__ disse ela__ Só se vive uma vez e Charlie viveu a vida dele, aquele clone é só uma sombra do que o seu amigo foi. É isso que clones são, sombras. Alter-Charlie é uma sombra do que seu amigo foi. Sombras são boas pra proteger do sol, mas também podem te cegar... sombras podem ser boas ou ruins, mas são temporárias... Alter-Charlie vai sumir, mas quantos ele levará no processo?
__ O que você quer dizer com isso?__ indagou Elliot.
Ela não respondeu.
__ Diana?
Ela estava de olhos fechados.
__ Ela morreu?
Clóvis checou seu pulso.
__ Não. Agora vá embora daqui, ouviu ela, encontre quem tem que encontrar antes que seja tarde demais.
Elliot saiu correndo, entrou na caminhonete e saiu dirigindo rapidamente, quase atropelou uma idosa no processo. Durante o trajeto ele teve de desacelerar por conta de um acidente de trânsito, a polícia cercava a área onde havia um carro quebrado, os feridos foram ao hospital e a polícia estava colhendo os depoimentos. Segundo relatos das testemunhas um carro havia colidido com o veículo e estava em alta velocidade, era uma van verde e havia suspeitas do motorista estar embriagado por conta da forma desleixada que dirigia.
"Espero que não tenham anotado a placa"; pensou Elliot com receio da van ser encontrada pela polícia, mas será que seria assim tão ruim se a polícia encontrasse? Pensou nisso, mas continuou dirigindo.
Enquanto isso...
__ Então quer dizer que eu sou uma sombra?__ disse Walter entrando no quarto do hóspedes. Estava em péssimo estado, um olho roxo, lábio ferido, nariz quebrado, corte no supercílio, testa com hematomas, roupas rasgadas, cabelo bagunçado, joelho ralado, braços e pernas com marcas de arranhões e hematomas e marca de mordida na mão direita que, por sua vez, estava enfaixada.
Clóvis chocou-se com sua aparência.
__ Que bicho te mordeu? Você tá péssimo!
__ Não pedi sua opinião__ disse com a voz cansada, embora estivesse esforçando-se para não demonstrar fraqueza.
__ Há quanto tempo estava aí?
__ O suficiente pra saber que me enganou e que vai pagar por isso__ e bufou de raiva.
__ Não tem mais nada pra destruir, seu verme!__ disse Clóvis com desprezo.
Walter deu um sorriso travesso.
__ Se a Diana tá viva, é sinal de que esse verme ainda pode te destruir sim!
__ Você tá acabado__ disse Clóvis indo até ele__ não tem condição nenhuma de...__ foi interrompido com a visão do clone mirando a pistola direto para sua cabeça.
__ Vejo que perdeu a noção do perigo. Essa arma que eu estou segurando não é a arma de dardos, doutor, e eu ainda tenho algumas balas.
__ Por que me odeia tanto?__ indagou Clóvis.
__ Não te odiaria se fizesse o que eu queria desde o começo.
__ A sua vontade nunca importou de verdade, é a vontade de Elliot que importa.
__ Não é o Elliot que tá com a arma na sua cabeça.
__ Você quer me matar? Vá em frente! Mas deixe a Diana fora disso!__ exclamou exaltado.
__ Isso só vai depender de você.
__ O que mais você quer? Eu dei o meu melhor pra fazer o que você quer, revivi o Charlie da melhor maneira que eu encontrei e infelizmente não deu certo.
__ Não foi o que disse para o Elliot, você mentiu, doutor, mentiu. Mas eu vou te dar uma última chance pra se redimir e é bom aproveitar, salve o Charlie.
__ Se eu menti, então por que ainda confia em mim pra fazer esse serviço?
__ Não é como se eu tivesse muita opção, doutor, e eu sei que vai fazer qualquer coisa pra manter a Diana viva, comece falando a verdade pra início de conversa, que tal?
__ Quer a verdade? Ótimo, a verdade é que é impossível trazer o Charlie de volta. Eu já clonei mortos, mas eu nunca revivi clones mortos.
__ Tudo tem sua primeira vez, doutor.
__ E a primeira vez sempre dá errado.
Walter atirou no teto e disse:
__ É bom acertar de primeira, doutor, porque senão eu acertarei de primeira a sua linda terapeuta, o que acha doutor Clóvis? Isso serve de incentivo o suficiente pra você?__ e deu um sorriso malicioso.
Elliot finalmente chegou no sítio, não havia rastro de polícia para alívio dele. Só havia cerca quebrada, rastros visíveis de pneu e... mais pra frente ele viu a van quebrada e virada do avesso! O garoto saiu do carro preocupado e aproximou-se quando... o veículo explodiu, para a sua sorte ele não chegou perto demais.
Ele aproximou-se mais quando percebeu que já estava seguro, o carro estava em chamas, ele tentou ver se havia algum corpo, mas havia chamas demais. Alguns metros atrás do veículo havia o cadáver recente de um cavalo morto, não demorou muito para Elliot entender que o animal tinha sido atropelado. Elliot estava arrasado, seu coração acelerava com receio de Charles e... Charlie! Ele ignorou completamente que se tratava de um clone e gritou desesperadamente:
__ Charlie! Charlie! Charlie!
Ajoelhou-se triste e com o peso da culpa novamente pesando nos seus ombros.
__ Ele morreu de novo...__ disse triste__ e o tio morreu junto__ disse entre lágrimas.
Ele olhou ao redor e percebeu um rastro de sangue e pó do lado de fora da van, o rapaz seguiu a trilha. Estava apreensivo, com medo do que poderia vir a encontrar... e quando chegou no fim da trilha viu Charles ajoelhado e ferido aos prantos. Elliot aproximou-se e viu que ele estava em frente a um montinho de pó.
__ Ele morreu...__ disse Charles que já havia percebido a sua presença__ virou pó, eu tentei de tudo pra reviver ele e ele morreu de novo...
Elliot o abraçou com lágrimas nos olhos. Ficaram por um tempo ali com os olhos fitos no chão... até que o silêncio foi rompido quando um outro carro apareceu e estacionou próximo a eles. Era o carro de Diana e de lá saíram Clóvis e Walter.
Walter puxou o cientista bruscamente já percebendo o monte de pó no chão.
__ Vamos, doutor! Reviva ele!__ ordenou Walter.
Clóvis o empurrou e disse:
__ Não vou conseguir fazer nada se me segurar desse jeito.__ e tirou um frasco com um líquido azul transparente de seu jaleco__ Essa porção irá curá-lo, é só eu aplicar algumas gotinhas direto no pó__ abriu o frasco, mas bebeu ele inteiro.
__ Seu idiota! Por que fez isso? Arruinou a última chance!__ disse Walter enraivecido e apontou a arma para ele.
__ Você foi enganado de novo__ disse Clóvis com um sorriso travesso__ Sabe o que tinha no frasco? Orégano, água, açúcar, corante azul e a minha própria urina... sabe o que isso tudo forma? Um remédio? Não, nada! E você caiu feito um palhaço, seu moleque burro. Eu só precisava te manter longe da Diana e eu consegui, eu menti mais uma vez e você nem percebeu porque estava cego de desespero__ e riu.
__ Cale a boca, essa é a última vez que me fez de idiota, eu vou matar você e depois a Diana e depois eu vou... vou... encontrar mais alguém que importe pra você pra eu destruir__ disse com a voz cheia de ódio.
Elliot havia trazido a espingarda consigo e não hesitou em apontar para ele.
__ Largue a arma, Walter!__ disse ele já com a espingarda destravada.
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Alter-ego
RomanceElliot e Charlie eram amigos inseparáveis, até que uma infeliz tragédia leva a morte de Charlie. Enlutado, Elliot procura ajuda por meio de uma terapeuta para poder seguir em frente. A terapeuta lhe sugere o projeto Alter-ego, um projeto que tem o o...