Ele cavou, cavou e cavou repetidamente, seus braços doíam, a pá que segurava estava ficando cada vez mais pesada ou seria apenas impressão sua? Depois de sentir tanta terra ele finalmente tocou em algo mais sólido, finalmente havia alcançado o caixão.
Walter estava encharcado de suor, vestia uma camisa regata cinza, calça jeans escura e botas feitas especialmente para este tipo de serviço. No entanto apesar de ser uma atividade desgastante, ele não estava sozinho.
__ Tem certeza de que é uma boa ideia?__ indagou Charles.
__ Você ouviu a gravação__ respondeu Walter.
__ Mas ele disse que só fez uma vez e não deu certo.
__ Não deu certo?
__ Quer dizer... deu, mas não foi bem... do jeito que se esperava, sabe? O defunto pirou e não durou nem duas horas__ ele falava com sotaque interiorano. Charles era gordo, queixo duplo, barba mal aparada, pele parda, mãos com calo e nariz grande feito batata e era calvo, geralmente andava de boné para esconder a falta de cabelo. No momento usava um macacão, calça jeans e um boné de posto de gasolina.
__ Acha que ele só tentou uma vez depois daquela?
__ Bom, eu ouvi a gravação, né?
__ E ouviu que ele tentou me convencer a não fazer isso, acha que ele ia me contar das outras vezes? Acha que se desse certo, ele contaria?
Charles ficou pensativo, disse:
__ Verdade, mas... se ele mentiu antes, por que ele não mentiria depois? A gente tá confiando o corpo do meu sobrinho nesse velho.
__ Ele tem algo a perder se estiver mentindo e se ele falhar... já sabe.
Charles hesitou, engoliu a saliva, ficou calado.
__ Vamos lá!__ disse Walter tentando animá-lo__ Depois de tudo o que nós fizemos até aqui, de termos chegado tão longe, quer desistir agora? Essa é uma oportunidade única de trazer de volta o Charlie e só depende da gente. Se fizermos tudo certinho... tudo isso daqui vai ser só uma passagem ruim da nossa vida e vamos estar rindo disso... eu, você e o Charlie.
Charles sorriu, em um semblante nostálgico disse:
__ Você enchiam esse lugar de alegria...
__ E vamos voltar a encher...__ disse Walter com um grande sorriso.
Charles disse com um ar otimista:
__ Certo, mãos a obra!
__ É assim que se fala!
Eles abriram o caixão. Charles não pôde evitar algumas lágrimas, disse:
__ Ele tá tão pálido, magrelo, não parece o garoto tão cheio de vida que me enchia de orgulho...
__ Logo, logo ele vai voltar a ser assim. Fica tranquilo que tudo vai melhorar, confia! Agora vem me ajudar a carregar ele, vem!
Eles então removeram o corpo do caixão, movendo-o até a superfície, para longe da cova.
__ Isso parece sonho, nunca pensei que... tentaria reviver o Charlie, que tiraria ele da cova pra isso__ disse Charlie esbaforido.
__ Não é sonho, posso te garantir__ depois olhou para Clóvis, que estava deitado no chão com uma fita adesiva na boca, com os pés e mãos amarrados como se fosse um gado abatido__ Antes de irmos, preciso cuidar do "probleminha" do doutor.
__ O "crone"?
__ Sim, o clone. Ele é um soldadinho que não vai se cansar enquanto não achar o doutor, seu papaizinho. Vou ter de despistá-lo.
Clóvis estava dormindo até que Walter o acordou com alguns tapinhas no rosto. O cientista estava mais magro, com um olho roxo, lábios feridos, hematomas na testa, maçãs do rosto inchadas, não parecia mais um cientista e sim um mendigo. Seu jaleco branco estava sujo, esfarrapado e com algumas manchas de sangue. Quando ele se acordou e se deparou com Alter-Elliot, assustou-se e recuou para trás da melhor forma que sua condição limitada permitia, parecia estar vendo uma assombração.
Walter ergueu as mãos em sinal pacificador e disse calmamente:
__ Relaxa, não vou te machucar, isso se você continuar sendo um bom doutor, claro. Eu vou tirar a fita da sua boca, mas é bom tomar cuidado porque você sabe o que vai perder se não colaborar, não sabe? Mexa a cabeça se entendeu.
Clóvis obedeceu.
__ Bom, doutor, vou mantê-lo a par da situação. Já desenterramos o corpo, já sujamos bastante as mãos, chegou a hora de você sujar as suas__ e tirou a fita da boca dele.
__ Por que está fazendo isso? E não me diga que é pelo Charlie.
__ Já sabe por quem eu tô fazendo isso, quer que eu repita? Desde o dia em que eu nasci, no meu primeiro dia nesse mundo, você disse que eu sirvo ao Elliot.
__ Ele nunca ia apoiar você e o que está fazendo.
__ Onde está sua humildade, doutor? Se metendo em assuntos que não entende... que eu saiba quem é formado em psicologia é a Diana, aliás, o que você acha de eu perguntar pra ela o que acha disso? Será que ela concordaria com o senhor? Eu posso trazer ela aqui...
__ Não, por favor, não...
__ Então chega de conversa e mais ação__ e desamarrou as mãos dele.
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Alter-ego
RomanceElliot e Charlie eram amigos inseparáveis, até que uma infeliz tragédia leva a morte de Charlie. Enlutado, Elliot procura ajuda por meio de uma terapeuta para poder seguir em frente. A terapeuta lhe sugere o projeto Alter-ego, um projeto que tem o o...