O alter

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  __ Ele estragou tudo, Elliot. Estragou a última chance de reviver o Charlie. Ele tem de sofrer!__ disse Walter. ­­
__ Como eu posso estragar algo que é impossível? Eu posso clonar mortos, mas areia é impossível para mim. Pode me matar agora se quiser, eu não ligo. Tudo o que eu precisava era de você longe da Diana.
__ E falhou__ retrucou Walter__ Fez tudo isso em vão porque eu vou visitar a Diana do mesmo jeito.
__ Não se eu te impedir. Você só vai tocar na Diana se passar por cima do meu cadáver__ disse Elliot determinado__ Largue a arma, Walter, facilita por favor. Eu não quero te machucar, mas vou fazer isso se for necessário. Diana tá inconsciente, pessoas saíram feridas num acidente de carro por conta da van que o clone do Charlie estava.
__ Eu não fiz por querer, eu juro. Tentei dirigir o melhor que pude, mas o Charlie não parava de me bater. O dardo que atirei nele durou pouco, eu não quis machucar ninguém, nunca quis machucar ninguém__ defendeu-se Charles.
__ Tudo bem, tio Charles, tudo bem, viu só quantas coisas ruins aconteceram, Walter? Até um cavalo morreu da propriedade dele, quantas coisas ruins precisam acontecer pra você entender que reviver o Charlie não é a solução e só vai trazer destruição?!__ disse Elliot.
__ Não, da próxima vez vai ser diferente__ disse Walter tentando-o convencer a todo custo.
__ Próxima vez? Como? Só o Clóvis pode fazer isso e você vai matar ele!
  As chamas da van incendiada cintilavam nos olhos castanhos escuros de Walter, havia loucura nos seus olhos arregalados e desesperados.
__ Não! Não! Nós ainda podemos fazer funcionar, eu... não sei como, mas a gente arruma.
__ Só você quer fazer isso e mais ninguém.
__ Não! Você também quer, você me disse! Para de mentir... nem mais um movimento, velhote! Não queria morrer? Então fique paradinho aí!__ seus olhos estavam vermelhos.
__ Chega de tagarelar, garoto, nós dois sabemos que você só vai terminar numa vala!__ retrucou Clóvis.
__ Eu vou te matar e Elliot não fará nada, sabe por quê? Porque ele nunca matou ninguém, já eu sim.
__ Quem ele matou, Charles?__ indagou Elliot.
__ Eu não sei__ respondeu confuso__ Se ele fez alguma coisa foi antes de me procurar. __ O que você fez, Walter?
__ O que fiz? Bom, matei uns animais, uns pássaros, pombos, bem-te-vis, urubus, ratos e o Rafael.
  Elliot ficou surpreso.
__ Rafael?
__ É, dei uma visitinha pra ele no fim de semana, rimos muito, bebemos muito, ele bebeu além da conta e depois... fiz o que você não fez__ havia orgulho em seu olhar.
  Elliot passou a desprezá-lo, no início olhar para Walter era como se estivesse olhando para o próprio reflexo, mas agora... estava assustado com o que via. Era para ele ser uma cópia sua e não alguém completamente diferente "como um maníaco homicida, eu não sou um maníaco homicida, então por que você é? Não faz sentido"; pensou Elliot.
__ Você tem minhas memórias, não devia fazer essas coisas. Eu nunca faria isso!
__ Vai me dizer que não teve vontade quando ele te falou aquelas coisas no carro?
  Elliot ficou reflexivo, ele realmente teve vontade de matar Rafael depois do show do Ciclone, mas foi no momento de raiva.
__ Você disse que ameaçou ele de morte, lembra? Pois é, eu não fiquei só na ameaça__ disse com um ar convencido.
__ Não, é mentira!
__ Se não vai atirar nele, deixa que eu atiro__ disse Charles.
__ Você devia estar do meu lado, sabia?__ disse Walter a Charles.
__ Eu tentei, tentei mesmo, mas olha no que deu__ e apontou para o chão onde estava o pó__ Não faz mais sentido machucar pessoas se meu sobrinho não vai mais voltar.
__ Ele tem razão__ disse Elliot__ Se tem alguma humanidade, qualquer uma, e se realmente se importa comigo, então eu imploro: abaixe a arma.
  Walter hesitou, seu olhar havia mudado, seu braço aos poucos estavam abaixando e enquanto isto ocorria Charles aproximava-se lentamente. Walter estava pensativo, pensando se realmente o que estava fazendo valia realmente a pena.
__ Eu sinto saudades dele, Elliot. Também sinto saudades e nem o conheci... por que o Charlie não pode voltar mais?
__ Porque só se vive uma vez__ respondeu Elliot apenas esta simples frase porque era a resposta que tinha no momento.
  Foi quando olhou o pó no chão e a tristeza o tomou a tal ponto que o ódio retomou a seu coração partido.
__ E só se morre uma vez__ disse antes de atirar.
  Tudo aconteceu bem rápido, mas para Elliot ocorreu devagar. Charles se jogou na frente de Clóvis e levou o tiro, a bala atingiu seu ombro e ele caiu. Elliot não pôde acreditar no que via, ficou chocado e instintivamente atirou direto em Walter direto no tórax, dois tiros, dois motivos: o primeiro foi por impulso e o segundo para garantir que Alter-Elliot não machucasse mais ninguém.
  Ao vê-lo cair Elliot sentiu a maior tristeza que havia sentido na vida desde a morte de Charlie. Charles estava ferido, a beira de morte e Walter havia caído no chão para nunca mais se levantar. Houve tiros, perdas, foi a primeira vez que Elliot não atirou em um objeto inanimado, ficou tão triste e perplexo que sentiu que o tiro havia sido nele mesmo.
__ O que foi que eu fiz?__ indagou-se em voz alta e correu até o seu amigo caído.
__ Me desculpa... me desculpa... me desculpa...__ disse Walter.
__ Me diz que é mentira. Me diz que não matou o Rafael de verdade.
  Walter olhou profundamente para ele e disse:
__ Sim, eu menti. Pode ligar pra ele se quiser pra confirmar.
__ Por que mentiu?__ disse entre lágrimas.
__ Por que? Porque queria que atirasse.
__ Por quê?
__ Por que isso importa?
__ Eu quero saber o porquê, eu preciso saber.
  Walter demorou para responder e disse:
__ Eu queria que atirasse. Queria que desse fim a minha dor, eu falhei e queria sumir porque falhei no meu propósito de te tornar uma pessoa melhor.
__ Você não falhou. Você me fez ficar com a Rosa, me fez ser popular no colégio, me fez ir pro show da minha banda favorita e até me fez matar aula sem levar falta por isso... você me fez voltar a ter interesse pela vida sem precisar trazer o Charlie de volta.
  Walter não respondeu.
  Enquanto isso, Charles disse a Clóvis:
__ Me perdoe.
__ O que você fez não torna quites, mas a Diana tá viva, então você ficará vivo também__ disse  Clóvis rispidamente.
__ Mesmo assim não faz sentido me manter vivo.
__ Sou um cientista, não um assassino.
  Depois de prestarem os primeiros-socorros ao Charles, Elliot e Clóvis cavaram uma cova rasa para Walter, o próprio Elliot o carregou para o buraco. Depois ele ligou para a casa de Rafael e a mãe dele disse que ele estava trabalhando, mas que mandaria recado. Depois disso Elliot passou a encarar o rosto de Walter antes de começar a enterrá-lo.
__ É tão estranho enterrar ele.
__ Ele tem o seu rosto, é normal que pense assim. É até poético, não é? Você tá enterrando você mesmo. Você literalmente cavou a própria cova__ e deu um riso gutural.
  Elliot não riu, apenas manteve-se no silêncio absoluto.
__ Desculpa, foi uma piada péssima__ respondeu Clóvis.
  Elliot não respondeu.
__ Você não podia fazer nada, Elliot.
__ Isso não torna as coisas mais fáceis__ disse o garoto finalmente cortando o silêncio. __ Eu sei__ disse reflexivo, deu uma leve pausa e continuou: __ Sabe, quando a Diana perdeu a Charlote de novo... ela ficou devastada, por pouco ela não tirou a própria vida, ela já era terapeuta, mas tinha acabado de abrir o próprio consultório. Depois de quase ter morrido, eu e ela decidimos que era melhor que ela fosse a terapia.
  Elliot ficou surpreso.
__ A Diana era terapeuta e mesmo assim foi pra terapia?
__ Até os médicos precisam ir ao médico de vez em quando. Foi essas visitas a terapia que a ajudaram a colocar de novo a cabeça no lugar. Foi difícil pra ela, mas ela conseguiu superar, levou tempo, mas conseguiu. Não pare de ir a terapia, Elliot, ou se parar... não tenha medo de desabafar com alguém de confiança. Diana me disse que parou de ir a terapia depois que passou pelo projeto, o projeto alter-ego era para ser a parte da solução e não a solução por completo. Talvez até se o Walter tivesse frequentado também... talvez as coisas não tivessem chegando neste ponto__ e suspirou decepcionado__ Lamento que as coisas tenham terminado assim.
__ Diana disse que o Alter-Charlie é uma sombra do que Charlie foi, mas e quanto ao Alter-Elliot? Eu nunca faria as coisas que Walter fez... sequestrar pessoas, invadir casas, ameaçar outros de morte... eu nunca fui assim então não faz sentido o meu alter-ego ser assim. ­­
__ Bom, no projeto alter-ego os clones têm algo em comum, mas ao mesmo tempo essa coisa em comum é os que torna diferente de seus originais.
__ E o que seria isso?
__ A individualidade. É a individualidade que os torna únicos e os diferencia de robôs ou mera marionetes. Embora tenha as mesmas memórias de seus originais, eles não são os originais, são apenas uma parte e por serem justamente uma parte e não o todo, isso já os torna diferentes de seus originais. É como uma fatia de torta, uma fatia é uma fatia e uma torta inteira é uma torta inteira, uma torta inteira sempre será mais saborosa, mais suculenta e mais doce que apenas um pedaço.
  Aquele pedaço não é completamente igual, sempre vai ter uma parte da torta com mais cobertura ou menos cobertura, mas esse pedaço de torta continua fazendo parte da torta. Mas ele muda por se separar da torta, você pode mastigar, pode colocar na geladeira, se melar com aquela fatia e ainda que tente não mudar nada naquele pedaço de torta se você colocar de volta na torta depois... vai ver que esse pedaço já não é mais tão igual a todos os outros porque a fatia passou por processos físicos diferente das outras fatias. É isso que é a individualidade, é o que torna cada ser humano único e diferente, embora ele faça parte de um coletivo de outros de sua mesma espécie é a individualidade que o torna diferente dos demais. Você é a torta inteira e seu clone foi uma parte sua que foi tirada de você. Cada experiência é o que torna um ser humano diferente do outro, mesmo que por fora tenha um só nariz, uma só boca, duas orelhas e tudo mais e o seu clone não escapa disso. Walter não é sombra do que você foi, mas sim a sombra daquilo que você seria se sucumbisse ao luto.
__ Eu nunca...
__ "Nunca" é uma palavra forte demais, sabia? Você nunca mataria uma pessoa, mas estamos enterrando um corpo de alguém que você matou pra início de conversa.
__ É diferente.
__ Diferente como? Nunca fez algo que nunca se imaginaria fazendo? Diana também nunca se imaginaria colocando uma corda no próprio pescoço, mas aconteceu.
  Ele ficou reflexivo.
__ Percebe como "nunca" nem sempre significa nunca de verdade? Se a gente se prendesse ao nunca... eu jamais teria criado esse projeto pra início de conversa e NUNCA estaríamos tendo esta conversa aqui.
__ Tem razão.
__ Walter passou por uma experiência diferente da sua, ele lembrava do Charlie, mas nunca o conheceu de verdade. Ele queria conhecer aquele por quem ele sentia saudades, afinal como você pode sentir saudades daquilo que você não conhece?
  Eles então começaram a cavar. Quando terminaram, Elliot perguntou:
__ O que vai ser do Projeto Alter-ego daqui por diante?
__ Eu vou dar fim nele.
__ Pra sempre?
__ Essa é outra palavra que não gosto de usar muito, acho que é por isso que nenhum dos meus casamentos deu certo. Agora vamos embora que precisamos ver como a Diana está.
__ Fica pra próxima, eu vou demorar mais um pouco aqui. Quero falar com o Charles.
__ Tem certeza? ­­
__ Tenho sim, eu preciso conversar sobre...__ foi interrompido, pois seu celular começou a tocar em seu bolso.
Ele o tirou do bolso e viu que era seus pais, havia 10 chamadas não atendidas.
__ Acho que estou encrencado__ e atendeu o telefone.     

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