Presente

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Escolheste: Ajudar primeiro Cromo.

Cromo já estava aqui antes de mim, então claramente sofreu mais do que eu, também a nível psicológico. Para além disso, ele é o meu melhor amigo e ambos partilhamos uma ligação inquebrável: eu desejo, sobretudo, a felicidade dele, mesmo que isso implique abdicar da minha. Por estes motivos, e sem perder mais tempo, decido que devo libertar Cromo primeiro e depois soltar-me a mim mesmo.

Ao me concentrar, sinto aquela luz invadir-me novamente, enquanto me foco ao máximo nas algemas que prendem Cromo. As lianas que anteriormente empurraram Arsénio, invertem agora de direção, aproximando-se de Cromo e envolvendo-lhe as correntes, partindo-as de uma só vez.

Ele hesita por um momento, observando-me, e eu apenas lanço-lhe um aceno positivo e silencioso. Então Cromo rapidamente se vira e começa a escapar, através da porta do lado esquerdo, que se abre automaticamente quando ele passa, enquanto Arsénio se levanta e tenta apanhá-lo, falhando. Frustrado, ele congela quando a porta se fecha ruidosamente. Eu tento me focar em soltar-me, mas, nesse exato momento, mesmo sem se virar, Arsénio percebe e murmura «Nem penses nisso.»

Ele tira um objeto da sua capa, que eu identifico como um comando. Quando ele pressiona o botão eu solto um gemido de dor, devido à forma repentina de como a minha energia é roubada por aquelas correntes. Fico atordoado, sem conseguir ter controle sob o meu corpo, nem sequer da minha mente. A última coisa que relaciono claramente é que aquele comando está ligado certamente às correntes que me mantêm cativo neste inferno.

Ele finalmente vira-se, tirando a máscara, deixando visível o seu rosto manchado pela traição cruel e irreparável. Eu mal me consigo mover, e por esse mesmo motivo, a cada passo que ele dá para diminuir a distância entre nós, aumenta a minha certeza de que estou nas mãos de um traidor. Mas ao menos pude salvar Cromo... A minha mente invade-se de ideias obscuras e nebulosas, meio distantes, quando ele se agacha à minha frente com o indelicado compasso.

Passado uns segundos tormentosos em silêncio, aquele ser que tanto odeio neste momento começa a aproximar o objeto imundo de mim, e eu tento me mover, engolindo em seco, mas é em vão. Tudo neste momento parece distante, à exceção da dor que sinto quando o bico do compasso me toca. Eu, não aguentando mais, deixo as lágrimas impiedosas deslizarem pela minha face abaixo. 

Pareço reconhecer um traço de tristeza e arrependimento na cara dele, por entre as lágrimas que me desfocam a visão. Mas, à medida que ele pressiona aquele objeto doentio sob a minha pele, essa ideia vai-se desvanecendo gradualmente. Gritos meus devido à dor física e psicológica são em vão, quando percebo que este é certamente Dead End para mim. Começo lentamente a me perder...

A minha consciência espalha-se e quebra-se aos pedaços, de forma lenta e tortuosa. Simultaneamente, toda a situação é drástica e caótica: por algum motivo, sei que todo o meu rumo irá mudar daqui para a frente... Os meus amigos, o Mickey e até a minha mãe... será que darão pela minha falta?

Quando recupero a consciência, tudo mudou. Sinto-me um elemento novo e todo o ódio pelo ser que se encontrava à minha frente evaporou magicamente pelo ar. Ele não me olha, nem eu a ele, e naquele ambiente gélido, ele acaba por me soltar. Eu levanto-me como se fosse a primeira vez: retocando nos meus doloridos pulsos, tudo parece mais claro do que nunca neste momento.

Realmente parece que a minha visão e mente se abriram, e agora possuo total conhecimento e noção do poder que carrego em mim... Eles queriam que eu os servisse, sim. Mas é isso que irá acontecer? Certamente que não.

Arsénio pergunta-me como é que me sinto e eu respondo com um mero sorriso, presunçoso e arrogante. Eles vão ver o quanto me subestimaram, e que, à medida que me traíam, mais se arrastavam para o abismo fundo e negro que é o seu destino. Agradeço, no entanto, por me mostrarem a verdade. Assim pude finalmente ter a perspetiva cabal daquilo que eu sou.

A Ciência Aproximou-nos [2]Onde histórias criam vida. Descubra agora