Confidência

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A dor nos meus pulsos parece ter desvanecido magicamente depois de me abrir com Nitrogénio, assim como a dor que eu sentia no meu peito. Ela não consegue evitar chorar no final da história, e desta vez sou eu quem lhe abraço voluntariamente. Eu sinto-me muito melhor graças à presença dela, e quero mostrar-lhe isso mesmo através das minhas ações. 
Esta situação fez-me sentir muito melhor e o meu cérebro praticamente grita por repouso agora, que este dia terrivelmente atribulado chegou a um final. Já passou três horas desde que Nitrogénio chegou a minha casa e, sem me dar conta disso, o sol já se pôs. Não quero que Nitrogénio se vá, mas eu sei que ela não pode ficar. O problema não é a minha mãe,  certamente que ela não se importaria (pois reage indiferentemente a tudo), só não lhe posso pedir isso dela. Eu já lhe roubei demasiado tempo, com todo este drama. De certeza que ela não veio cá para isso. O quê que ela queria afinal? Eu não sei, realmente, mas é estranho vir a minha casa desta forma, sem aviso prévio. 

O melhor a fazer é perguntar-lhe mesmo, para não dar asas à minha imaginação e ainda criar algumas teorias loucas para aí.

- Então, uhm, Nitrogénio... Estava aqui a me perguntar o motivo da tua vinda. Não me leves a mal, eu amei a tua companhia hoje, fez-me sentir muito melhor, de todo. Mas nunca vieste a minha casa antes por tanto tempo. - eu declaro, num tom forçado para que não tente parecer rude (isso é a última coisa que quero que ela perceba neste momento).
Ela sorri, não parecendo afetada de todo. Eu suspiro de alívio.

- Não sei como hei de explicar bem isto...sou uma pessoa muito intuitiva, e tudo o que eu posso dizer é que tive um pressentimento que algo ia acontecer. E aconteceu mesmo... É difícil acreditar que Arsénio te fez tudo isso, a ti e a Cromo. É mesmo horrível. Não consigo imaginar como deve ser a sensação, mas obrigada por te abrires comigo. Sabes que podes confiar em mim, sempre. - ela afirma e as palavras dela são dóceis, acarinhando o meu cansado núcleo, embora o nome daquele elemento ainda doa bastante. Tento não demonstrar isso, no entanto. Talvez seja normal pois, pensando bem, tudo aconteceu ainda hoje. É inacreditável. Mesmo assim, espero que esta dor passe rápido.

Com Nitrogénio ainda na minha casa, tudo o que quero fazer exclui certamente ficar a deprimir. Vou aproveitar enquanto tenho ela comigo, e mostrar-lhe que sei devolver o carinho que ela demonstrou ter por mim. Esquivo-me pela porta do quarto, deixando Nitrogénio confusa. Talvez eu lhe devesse questionar primeiro se ela queria um sleepover, mas penso que um convite inesperado também não lhe aborreça.

Escapo-me silenciosamente até ao quarto da minha mãe, sinistro e nebuloso. Quase nunca entro aqui, o que é um bocado irónico, tendo em conta que nós partilhamos a mesma casa. Eu começo secretamente a arrepender-me desta decisão, mas a vontade de tê-la comigo por mais tempo supera as inseguranças da rejeição por parte da minha mãe. E, para ser honesto, duvido que ela sequer se importe minimamente. Assim sendo, questiono-lhe se Nitrogénio pode ficar comigo esta noite, sem fazer contacto visual, ao que ela responde murmurando um indiferente "ok".

Eu saio do quarto da mesma maneira que entrei, mas ao fechar a porta do mesmo sinto um alívio e uma alegria inexplicável, que não consigo sequer demonstrar fisicamente. Ainda tenho de contar à sortuda, no entanto.

Abro novamente a porta do meu pequeno refúgio onde Nitrogénio ainda se encontra sentada, na cama, estupefacta. Preocupada, ela espera ansiosamente para eu lhe contar o motivo pelo qual desapareci repentinamente dali. Eu conto-lhe toda a minha ideia e peço-lhe consentimento no final de tudo, obviamente. Ela parece surpreendida, por instantes e eventualmente acaba por me rejeitar.

- Ouve, Níquel,... - ela começa por sussurrar, nervosamente, provavelmente com medo de como eu iria reagir - Eu gosto muito da tua amizade, e quero que saibas que és alguém muito importante para mim. Mesmo. E eu queria ficar, a sério que queria, mas de certeza que os meus criadores não me iriam deixar. Eles são muito estritos. Mas obrigada pelo convite à mesma. - ela ainda diz, mas a voz dela fica abafada por instantes, instantes esses em que eu reflito em tudo o que acabara de acontecer.

É compreensível que ela tenha rejeitado. No que é que eu estava a pensar afinal? Nós nem somos tão chegados assim... apenas pensei que ela quisesse passar mais tempo comigo. Mas não posso obrigá-la a ficar. O erro foi meu e eu aceito isso... Só dispensava ter de passar por esta constrangedora situação. Não precisava disso neste momento. Mas teria sido pior se ela não tivesse vindo cá de todo.

- Tudo bem, eu compreendo. Na boa, não precisas de te desculpar. Vemo-nos por aí então. - eu respondo-lhe, ainda meio a divagar nos meus pensamentos, sem prestar atenção a nada que me rodeia neste momento. Ainda percebo algumas palavras a sair-lhe por entre os lábios, antes dela sair e fechar a porta, deixando-me por minha conta.

Sozinho, olho para o chão e finalmente posso deixar as restantes lágrimas caírem e preencherem o vazio que se encontrava na minha alma. Como é suposto aguentar tudo isto sem a ajuda de ninguém? Afugentei Nitrogénio, e provavelmente dei-lhe a impressão errada... Agora é demasiado tarde para voltar atrás e pedir desculpa. Só queria companhia. Arsénio, porquê que tiveste de aparecer sequer na minha vida? A minha mente dói só de pensar em ti. Porque não consigo deixar de pensar em ti e em tudo o que me fizeste?


Arsénio POV

Uma sensação estranha e nova alastra-se por todo o meu corpo. Sem ninguém ao meu redor, a meu subconsciente continua a insistir que eu falhei. Eu não suporto mais estes pensamentos. O Níquel não devia ter saído daqui, porquê que ele faria tal coisa? Porquê que ele me deixaria?!

Sento-me contra o chão duro de pedra enquanto escondo o meu rosto nos meus braços. Olhem para a minha figura, é tão patética! Realmente, não passo de um falhado. A minha mãe estava certa!

O pior ainda está para chegar. Quando os outros descobrirem o que eu fiz. Mas eles não têm de saber: posso dizer que desisti da ideia. Afinal somos colegas, eles não mandam em mim apesar de tudo. Nenhum deles manda. Eu mando em mim mesmo e eu decido o que devo fazer ou não. Seja como for, não é altura para ficar a choramingar sobre leite derramado. Nada está perdido, e a minha ambição na vida resume-se a uma e apenas uma coisa. Se eu não posso ter o Níquel comigo, ninguém terá. Por esse mesmo motivo, qual é a lógica em ficar aqui parado, sem fazer nada?! Ele nesta altura já pode estar com outro alguém qualquer, alguém desprezível. Um inseto qualquer que tenta se meter no meu caminho. No nosso caminho. O Níquel ainda não sabe, mas ele sempre esteve predestinado a cruzar caminho comigo. Assim sendo, não ficarei aqui nem mais um segundo que seja.

Só o pensamento que ele pode estar a me odiar neste momento dá-me uma vontade súbita e irresistível de vomitar ou de acabar com a vida de qualquer elemento que passe à minha frente neste momento.

Saio deste desprezível e imundo sítio para ir ter com aquele que provavelmente me odeia sem saber os motivos pelos quais fiz aquilo que fiz. Espero que, lá no fundo, ele não me odeie completamente. Assim seria muito mais difícil de termos um futuro partilhado, mesmo que o tivéssemos. Enquanto caminho rapidamente pela rua abaixo, sinto o sol a queimar-me a camada de eletrões sensível da minha face. Sinto que tenho de me despachar. Não o posso perder para sentimentos obscuros, de onde ele dificilmente sairia. 

Quando finalmente chego a casa dele, estou ofegante e cansado, de tantos pensamentos que surgiram na minha mente ao longo deste suplício. De repente, todo o meu sistema entra em alerta no momento em que ouço passos a vir na minha direção.

Em pânico, faço a primeira coisa que me vem à mente, que no caso é saltar o muro e deitar-me no meio daquelas ervas todas existentes no jardim de Níquel. Parece que não cortam a relva aqui há anos, e acho que tenho de agradecer por isso neste momento. Ao menos serviu para suavizar a queda e o barulho da mesma.

Entretanto, percebo finalmente de quem eram aqueles passos que eu ouvi à bocado. Nitrogénio afasta-se agora desta habitação, e felizmente ela parece não suspeitar de nada. Que raio? São quase dez da noite. O quê que ela estava a fazer até agora com o Níquel? Eles estão juntos ou algo do género? Nunca achei que eles fossem tão próximos apesar de já ter as minhas suspeitas de que Nitrogénio era hétero...

Não posso acreditar. Nunca deixaria aqueles dois ficarem juntos! Nunca!

Tantas questões passam pela minha cabeça neste exato momento. Talvez eu só esteja a exagerar, é verdade. Mas tenho de descobrir a verdade acerca da relação deles, isto não pode ficar assim. E também tenho de descobrir para que lado Níquel é virado. Não que isso interesse de qualquer forma. Ele não vai ficar com mais ninguém. Isso afetaria... hm... os nossos negócios pendentes.

Aproximo-me silenciosamente.

A Ciência Aproximou-nos [2]Onde histórias criam vida. Descubra agora