Reviravolta

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Ele não pretende acabar com aquele, inicialmente suave, mas já nem tanto, beijo. Agora as nossas línguas lutam por dominância, e a minha respiração prende-se de tempos a tempos, assim como a dele. Cansado, mas contra a minha vontade, eu acabo por me render... a força dele supera-me, fisicamente e não só.  A sua vontade de me ter é maior do que a minha de o rejeitar.

Quando eu consigo afastá-lo ligeiramente, há uma troca de olhares demorada. Eu espero alguma reação dele, por uns segundos, não sabendo ao certo o quê. Finalizado esses segundos, eu tento empurrá-lo para longe, algo que ele não me permite fazer inicialmente. Segurando o meu braço, ele murmura-me:

- Onde pensas que vais? 

Eu rapidamente desvio o meu olhar, sentindo as minhas bochechas a queimar. Não sei porque ajo assim, depois de tudo o que aconteceu ontem... sim, é culpa disso exatamente. O meu cérebro não é capaz de processar tanta informação, e estou saturado das imagens negativas. Eventualmente ele segura no meu pescoço para juntar novamente os nossos lábios, mas desta vez é diferente: o nosso beijo é pintado num tom rápido, leve, retocado como uma obra de arte abstrata nos seus traços finais. 

- Por favor, solta-me, estou desconfortável nesta posição - eu reclamo baixinho, tendo-o suportado em cima de mim já algumas horas. Ele consente, afastando-se, e eu aproveito a oportunidade para escapar dali, me levantando de forma abrupta, o que me põe zonzo por alguns segundos. Recomponho-me e ele olha para mim surpreso e confuso, no entanto em sobressalto, pronto para agir. Está bastante confiante sendo que entrou na minha casa sem qualquer convite. Imagina o que a minha mãe pensaria se entrasse aqui neste preciso momento? Num piscar de olhos, eu seria obrigado a me unir com este ser para o resto das nossas eternidades.

Verdade, a minha mãe. Já me tinha esquecido, por momentos, que Arsénio não violou apenas a minha privacidade, mas também a da minha única família, o Mickey e a minha mãe. Para além disso, o que é mais grave é que a casa nem é minha. O que é que ele pensa que está a fazer? E será possível que a minha mãe não se apercebeu da sua entrada? Eu só não consigo acreditar nisto... Repentinamente uma teoria maluca entra no meu santo juízo, que seria a de que a minha mãe estaria também naquele culto estranho para qual Arsénio me "levara", ainda encapuzado. É verdade que ela tem estado distante ultimamente, ultimamente não, desde que o pai foi embora.... quase como se ela me culpasse por todos os acontecimentos negativos que lhe acontecera desde então. Antes a culpa arrastava-se e sufocava-me, mas agora já não deixo que esta me afete tanto, pois tento concentrar os pensamentos no que acontece ao meu redor mas não naquilo que os outros pensam de mim.

Seja como for, ela é minha mãe e tenho um apego especial por ela devido a isso, seja o sentimento recíproco ou não. Por isso mesmo, vou procurá-la, visto que o único barulho que ouvi nesta casa hoje foi apenas devido a nós dois. Como é um dia de semana, a esta hora ela já estaria acordada, visto que são praticamente 9 horas. Eu viro-me e saio pela porta, tentando não perder nem mais um segundo com pensamentos. Claro que Arsénio me segue, mas ele sabe que eu não tenho intenções de ir às aulas agora, devido ao meu estado de cansaço, principalmente psicológico, depois de tudo o que acontecera. 

Eu aproximo-me da cozinha, mas nada. Tudo permanece silencioso, como se da minha casa não se tratasse. Eu alimento o meu querido peixe, que tem um ar mais preocupado que o normal. É provável ser devido ao facto de eu me ter esquecido de o alimentar ontem, de tão exausto que estava. Eu viro-me novamente para ir ver se a minha mãe estava no seu quarto. Tudo porque eu não quero que ela descubra que Arsénio passou a noite cá, sem eu pelo menos lhe contar primeiro. Não pelo sermão, mas pela cara de desapontada que ela me lançaria. Assim talvez ainda tenha alguma chance que isso não ocorra.

Arsénio tem o braço a obstruir a porta da cozinha, no entanto. Ele realmente já assumiu a casa como se fosse dele. Eu olho para cima, para aqueles olhos hipnotizantes, e eles já me encaravam, serenamente. Um estranho sorriso aparece na cara dele quando tal acontece. Eu não consigo me focar naquilo que sinto por ele neste momento, mas de certeza que pelo menos receio é. Afinal, a marca das correntes ainda está visível nos meus braços e não quero voltar a isso. Se ele tentar algo, desta vez eu serei capaz de me defender.

Passo por baixo do braço dele agilmente, afinal ser baixo sempre tem algumas vantagens. Apresso-me pelo corredor fora e acabo por bater levemente com a minha cabeça na porta do quarto da minha mãe. Boa, era tudo o que eu precisava. Gesticulo desesperadamente para Arsénio se esconder, mas este permanece imóvel. Nem vale a pena me chatear, ao menos ele está relativamente longe de onde eu me encontro.

Por agora. À medida que eu bato à porta daquele antigo quarto, ele aproxima-se, não havendo resposta da outra parte. Não aguentando mais aquele impasse, eu invado o espaço, algo que nunca fiz antes na minha vida. Ela não está cá. Cada parte de mim enche-se de ansiedade, talvez seja isto o que é ter um ataque de pânico. Seja como for, porquê que ela sairia de casa sem me avisar? Logo hoje, que este ser decidiu invadir a casa. Arsénio fica atrás de mim, eu consigo senti-lo a se aproximar, agarrando ligeiramente nos meus braços, e massaja suavemente a área. Eu fico paralisado, não sabendo o porquê de estar com tanto medo. Uma mistura de emoções preenche-me quando ele sussurra ao meu ouvido: "Parece que estamos sozinhos, fofo."

Eu afasto-me dele, virando-me para apanhar a sua reação. Lágrimas ameaçam em cair dos meus olhos. Eu nunca me senti assim antes. Eu quero admitir o medo que tenho dele, e pedir para se ir embora. Mas ele não aceitaria isso, aceitaria? De qualquer forma, será que quero mesmo isso? Acho que ele acaba por perceber isso seja como for, pela mudança na sua expressão. Arsénio aproxima-se e eu afasto-me, batendo contra a parede atrás de mim. Ele então fica imóvel, e afirma gentilmente que não quer que eu tenha medo dele, e que não me irá fazer mal.

"Eu compreendo perfeitamente que te sintas assim, mas só quero uma chance para poder te explicar tudo o que aconteceu entre nós... Os meus sentimentos por ti são sinceros.  Por favor Níquel, preciso que confies em mim. Não é o que parece, eu prometo-te isso."

Confiar nele, depois de tudo o que aconteceu? Eu quero abrir a boca para falar, mas a incerteza toma conta de mim novamente. Reparo então que a minha mãe deixou o telemóvel em cima da sua cama, o que causa em mim angústia por não saber se ela está bem, mas simultaneamente alívio pois aquele facto pode ser a fuga desta situação. Penso que Arsénio repara nisso, por isso aproxima-se e eu olho para ele receoso, mas a sua expressão penosa parece realmente ser sincera. Seja como for, tenho de tomar uma decisão e é agora.

Se achas que Níquel deve chamar por ajuda e tentar escapar, segue para o próximo capitulo.

Se, por outro lado, achas que Níquel deve ficar e ouvir o que Arsénio tem a dizer, vai para o capítulo 8.

A Ciência Aproximou-nos [2]Onde histórias criam vida. Descubra agora