Tu escolheste não acreditar naquilo que Arsénio te falou.
Fico uns minutos a pensar. O silêncio é atormentador e sufoca aquele pequeno espaço, onde apenas se ouve o respirar dele, e do meu. Apesar de tudo o que ele disse, algo não encaixa bem nesta história. Para ser mais preciso, eu não me encaixo nesta história. Podemos até ter pontos em comum, mas eu não sou como Arsénio. Não possuo essa ambição desmedida pelo poder. Eu quero ser alguém memorável sim, mas por outros motivos. Quero que me lembrem como alguém bondoso que procurava ajudar os outros, que me amem e que me venerem. Mas não quero obrigá-los a fazê-lo. Não por enquanto, pelo menos.
Apesar de não ser um santo, nunca planeei dominar o universo. Para além disso, parece ser uma enorme responsabilidade e o mais provável de acontecer seria dar para o torto. Se ele quer isso, não posso impedi-lo de continuar, mas não é algo pelo qual eu pessoalmente ambicione. O amor é o meu foco na vida, não o poder. Eu acho que é aí que eu e ele nos diferenciamos.
De tanto pensar, acabo por chegar à conclusão que não há uma maneira suave de lhe dizer isto. Será que ele vai se passar? Com tanta instabilidade emocional, ele pode explodir a qualquer momento. Eu esfrego o meu braço e olho para o lado. É muita coisa para processar, e mesmo assim estou eu, aqui, novamente obrigado a tomar uma decisão tão complicada.
- Não. - eu digo simplesmente e ele faz uma cara de indignado, com um sorriso estampado na cara.
- Não? Só isso? Estás a gozar com a minha cara? - Arsénio divaga, precipitadamente. Eu fico nervoso com o tom de voz dele, maníaco, mas isso não me impede de continuar a minha ideia.
- Eu e tu somos diferentes. Eu não quero poder, só quero que todos se amem, da forma que podem. Nada supera o poder do amor. Não quero conquistar mundos, nem ter escravos infelizes a me servir. Eu quero ser apreciado pelos outros, não odiado. Se obrigarmos toda a gente a fazer algo contra a sua vontade, através de batalhas e guerras, eles nunca seriam felizes. Eu não quero fazer isso. O poder é inútil se não poder ser glorificado positivamente. - eu declaro, pacificamente, sem lhe olhar nos olhos, com medo da sua reação. Sei que pensamos de forma distinta nisso.
Ele aproxima-se de mim e agarra-me pelo queixo, puxando-me para perto. Eu entro em pânico e começo involuntariamente a tremer das mãos. Eu sabia que ele não ia aceitar um "não" como resposta a nível amoroso, mas nisto ele tem de aceitar a minha opinião, não me importa as consequências. Ninguém pode mudar a forma que eu penso. Nem mesmo ele (?)
- Níquel, ninguém faz nada se não for forçado a o fazer. Achas que eu fiz isto tudo para quê? Eu amo-te e quero estar contigo, isso é tudo o que importa! Porque raio te importas com aquilo que os outros acham de ti? É preciso atuar para ver resultados! Se eu não estivesse aqui agora, se eu não tivesse feito e dito o que te disse, nós nunca ficaríamos juntos! Ou não é verdade?
Ele aproxima o seu rosto de mim, olhando-me diretamente. Neste momento ele já percebeu certamente que estou a tremer. Eu encaro-o de volta, tentando com todas as minhas forças não começar a chorar ali. Isso tornar-me-ia mais fraco do que já sou.
-Diz-me Níquel! É mentira? Não me digas que tu tomarias a iniciativa de vir atrás de mim. Eu amo-te demasiado, e nem que o resto do mundo também te amasse...nenhum deles superaria aquilo que eu sinto por ti! Tu não entendes, que eu sou tudo o que precisas? Porque falas nos outros? Tu és meu. - como se ele gostasse de ver o medo nos meus olhos, sorri levemente. Eu até iria atrás dele sim, mas os sentimentos que eu tinha por ele estavam apenas no começo. Ele é que é impaciente e completamente impulsivo nos seus comportamentos, e também nas suas emoções.
Mas eu não posso dizer-lhe isso, ou posso? Ele provavelmente vê-me de uma forma patética neste momento, e até posso ser, mas mesmo assim tenho o direito de falar e isso ele nunca me vai poder tirar.
- Não era disso que estávamos a falar. Se queres ir por esse caminho, então vamos. - eu cerro os punhos. - Para quê que queres dominar o universo se também já me tens a mim? Não é suficiente? Porque é que queres tudo? Como tu dizes, o teu amor por mim já é tudo o que basta, certo? Já é maior que o universo, não?- eu questiono-lhe corajosamente e ele muda de expressão, para uma cara fechada.
Alguns segundos passam. Ele afasta-se de mim, mas apenas por uns centímetros. Arsénio suspira e olha para mim, derrotado. Embora provavelmente tenha resposta para as perguntas, acho que ele prefere não responder para não piorar o estado da nossa relação. Relação?
- Tu és fofo. E inteligente. - ele diz à medida que acaricia o meu cabelo de forma carinhosa. - Talvez seja por isso que eu te amo. Claro que eu podia continuar aqui a discutir contigo, porque argumentos é o que não me faltam. Mas sei que seria uma perda de tempo. Não quero que me odeies ainda mais. - ele admite, calmamente.
- Eu não te odeio. Não odeio ninguém. Ouve, embora a minha cabeça esteja uma confusão neste momento, eu tenho a certeza que não te odeio. E não é por pensarmos de maneira diferente que eu vou odiar-te. Seja como for, obrigado por ouvires a minha opinião. - eu suspiro à medida que me acalmo com os gestos dele. Ele sorri calorosamente e eu retribuo o gesto.
As nossas caras aproximam-se e beijamo-nos reciprocamente. Um beijo mais longo comparativamente aos outros, onde finalmente sinto um início de compaixão e entendimento. Só do facto dos nossos corpos estarem tão juntos, as minhas bochechas começam a queimar. As nossas línguas finalmente se tocam e eu sinto o calor da sua boca na minha. Quando ambos ficamos ofegantes, afastamo-nos gradualmente e ele olha para mim. Eu sei que provavelmente a minha cara virou um tomate neste momento.
Não gosto muito de pensar em nada mais sem ser em emoções momentâneas: no presente. Se for para discutir a nossa relação, seria uma conversa complicada. Certo? Eu sei que eventualmente terá de acontecer, mas depois de tudo o que se passou nestes dias acho que seria melhor adiar esse tópico. Contudo, eu questiono-me no quê que será que eu sou para Arsénio. Tenho ideias de abordá-lo sobre isso, mais tarde. Infelizmente, até lá, vou ter que aguentar a minha curiosidade dentro de mim, algo que às vezes parece impossível.
Apesar de toda a situação, estou grato que as coisas pareçam estar amenas por agora. Ainda bem que consegui lidar com o comportamento excessivo de Arsénio sem eu próprio virar um maníaco também, algo que requereu um bocado de estabilidade emocional da minha parte. Eu sei que ele é mais excêntrico que eu, e se eu tivesse sido também dramático, não ia haver um bom final. Sabe-se lá o que teria acontecido...
- O que fazemos agora? - eu pergunto-lhe, confuso, passado alguns minutos de silêncio.
Segue para o capítulo 12 para veres como é que a história continua.
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A Ciência Aproximou-nos [2]
General FictionEm continuação do primeiro volume, nesta nova jornada continuaremos a acompanhar Níquel durante a sua jornada de auto-descobrimento e aceitação, assim bem como a sua consciência e aprendizagem acerca do meio e daqueles que o rodeiam. Neste livro, Ní...