Liberdade é só uma palavra

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Tu escolheste: Chamar por ajuda e fugir da situação.

Eu agarro velozmente no telemóvel, sentindo-me como o flash por uns momentos. As minhas mãos tremem de tão nervoso que estou, mas isso não me impede de ligar por ajuda o mais rápido que consigo. Arsénio tenta me agarrar o braço, em vão. Eu olho-o de forma ameaçadora, porque se ele me tocar agora certamente eu não ficarei parado. A sua expressão de raiva passa rapidamente a um olhar sereno, como se algo dentro dele tivesse quebrado. Talvez fosse...esperança? No entanto, um sorriso aparece na sua face quando eu, deliberadamente solto palavras de ajuda, através da ligação telefónica. O seu olhar não se altera, e sinto que observa cuidadosamente cada detalhe dos meus movimentos. O pavor que em mim se alastrava parece se acalmar agora, lentamente, à medida que a ligação é concluída.

Nem ele nem eu nos mexemos. Os meus olhos soltam então umas lágrimas, não conseguindo aguentar tanta emoção. Não tenho força nem coragem para me mover, mas sei que o terei de fazer. E mesmo que ele me tente impedir, não irá conseguir. Embora eu tenha menos força, ele não conseguirá lutar contra os polícias que chegarão brevemente. Não sozinho.

Mal encontro uma oportunidade, empurro-o bruscamente para a cama. Guardo o telemóvel no bolso do meu hoodie caso seja necessário novamente. Infelizmente, a bateria deste está fraca...espero que se aguente. Em pânico, corro até ao hall de entrada. No entanto, tropeço em alguma coisa que se encontra no corredor, e acabo por cair no chão, batendo com a cabeça na porta de entrada. A minha visão desfoca-se e reparo na mancha de sangue presente no chão. Entro em pânico quando vejo a silhueta dele a me alcançar. Será que me vai matar?

Eu tento me levantar mas é em vão, então só me viro, tentando abrir a porta com todas as forças que me restam. Parece que está trancada. Ele realmente planeou bem isto. Na minha cabeça latejante só oiço o som dos passos dele, à medida que este se aproxima. Os meus poderes ativam-se magicamente, sabendo que isto é uma situação de vida ou morte. A minha pele começa a brilhar, ofuscando a visão de Arsénio por um momento. Da última vez que algo do género aconteceu, foi para salvar o meu melhor amigo. Agora tenho de salvar-me a mim. Mas porquê que isso parece ser algo mais complicado?!

- Níquel, tu não estás em perigo. Por favor, deixa-me ajudar-te. Não uses os teus poderes contra mim, aviso-te. - Arsénio pronuncia gravemente, mas eu já não sou capaz de ouvir mais nada vindo dele, neste momento. De repente, ele aproxima-se e eu acabo por criar um escudo à minha volta, impedindo-o assim de me tocar.

- Sempre foste tão complicado... só não achei que íamos chegar a este ponto. O que a falta de comunicação fez de nós... - ele baixa o tom de voz na última parte e eu olho nervoso para ele, sem entender mais nada. 

- Desculpa... só não consegui evitar... a verdade é que tenho medo de ti, depois de tudo o que aconteceu. Arsénio, não imaginas o quão mal me faz sentir esta situação toda. - as palavras libertam-se antes que eu sequer tenha tempo de processá-las.

Ele toca no meu escudo e eu sinto este desvanecer-se quando um leve choque se espalha pelos meus átomos. Ele controla a eletricidade, e eu ainda nem sequer sei como é que os meus poderes funcionam. Arsénio aproxima-se e antes que eu consiga ter qualquer reação, ele beija-me. Lentamente eu fico inconsciente, não sei se devido à pancada com que dei com a cabeça ou pelo uso dos poderes. Talvez seja devido aos dois.

Espero que a ajuda chegue logo, senão não sei o que será de mim.

Eu acordo e reparo que as minhas coisas desapareceram. Estou num sitio escuro, insolente e não convidativo. Como estou sozinho, observo o que me rodeia. Onde vim parar? Odeio estar sozinho, principalmente num sítio desconhecido... O que fiz para merecer isto?

Reparo então numa sombra aterradora de alguém enforcado, pendurado ainda pela corda, à minha esquerda. Eu não consigo evitar o vómito que ameaça sair drasticamente. Rapidamente desvio o olhar e tento não respirar só para evitar aquele cheiro nauseento. Eu realmente achei que fosse ficar pálido até desmaiar, mas acho que não olhei o suficiente para tal acontecer. Mas foi o suficiente para ficar traumatizado. A minha mente fica vazia, eu não posso permitir que nenhum pensamento surja neste momento. No entanto, há um assustador que escapa, brevemente.

E se for Arsénio? Ele estava comigo. Ou se for a minha mãe? Sinto o meu estômago a afundar-se, só de considerar isso. Empurro o sentimento de náusea e observo novamente a cena, de forma rápida e discreta, como se fosse um pecado. A figura não se assemelha a algo que sequer já esteve vivo, então eu suspiro fortemente e desvio o olhar para o chão sangrento. Certamente é um homicídio forjado.

Oiço uns passos vindos na minha direção e os meus sentidos rapidamente se direcionam para o barulho, que me salvou do silêncio aterrador em que me encontrava. As dores de cabeça estão a me matar neste momento, assim como a falta de energia que se alastra por mim.

- Come isto. - Arsénio entrega-me uma sandes que eu, receoso por uns momentos, acabo por aceitar. De qualquer forma, pior que isto é meio difícil da situação ficar. A sandes está deliciosa, não sei se devido a ter sido bem elaborada ou por eu estar esfomeado. Talvez ambos. 

Ele limpa o meu vómito enquanto eu acabo de comer, nervosamente, e nenhum de nós pronuncia uma palavra. Eu ia perguntar-lhe se ele já tinha comido, por delicadeza, mas acho que neste momento ele não é muito merecedor da minha simpatia. Ainda estou revoltado. Será que ignoraram o meu pedido de ajuda?

- O que aconteceu, Níquel? Estás doente?- ele questiona-me e eu aponto calmamente para a sombra aterradora, não olhando para lá. Nem lhe pergunto a identidade do elemento, porque realmente não me importa. Por agora, quanto menos souber, melhor.

- Não te preocupes, irei fazer com que desapareça brevemente. Foi um descuido meu, realmente, não queria que ficasses assim. És tão sensível...- ele sorri de forma estranha para mim, mas eu não sei o que lhe responder. Ele tem razão, mas ao menos tenho empatia pelos outros, ao contrário de certo elemento aqui.

Quando dou a última dentada no pão, ele traz-me um copo de água. Eu seguro no copo, com as minhas mãos trémulas, e murmuro um curto "obrigado". Eu deixo o copo vazio da maneira mais rápida que consigo, deixando-o estupefacto.

- E os polícias? - eu questiono-lhe finalmente, não aguentando mais aquele silêncio ensurdecedor e misterioso.

- Eu acabei com eles. - ele sorri novamente e eu engulo em seco. Não sei se diz a verdade ou não, mas de qualquer forma neste momento já acredito em qualquer coisa. 

- Onde estamos?- eu gaguejo, desviando o meu olhar para os arredores, procurando alguma saída, mas ele força-me a virar a cara na sua direção. 

- Não interessa. Não vais sair mais daqui. Não vou te deixar escapar. Cometeste um erro ao tentar fugir de mim... Eu só quero o teu bem, Níquel. - ele declara suavemente e as minhas dores de cabeça aumentam. Não consigo lhe responder. Será que realmente fiz mal? Já não tenho certezas nenhumas. Nem sei quanto tempo se passou... 

Lamento informar-te, mas a tua história fica por aqui...


A Ciência Aproximou-nos [2]Onde histórias criam vida. Descubra agora