Dia 8: Bianca e Luana - Parte I

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Depois de uma longa festa eu estava deitada no ombro dela pensando em todas as coisas que me fizeram gostar de estar aqui. Ela fazia carinho nos meus curtos fios, que hoje tinham uma coloração alaranjada pelo desbotamento do meu cabelo.

- Quando você descobriu que era boa com música? Tipo assim, quando você descobriu que você realmente era boa com música. – Perguntei me virando para ela.

Ela parou alguns segundos, acho que parar analisar a minha pergunta e tentar resgatar da sua memória, que era fraca, uma lembrança de quando ela começou com isso. Bianca cantava, compunha e tocava bateria com maestria, mas era impressionante o que ela conseguia fazer com duas canetas e um pote de margarina, qualquer coisa virava música para ela, qualquer coisa virava melodia.

- Não sei dizer... – ela parou por mais alguns segundos – acho que foi no dia que eu tinha um show em um bar e a gente queria comprar um energético porque estávamos virados de uma festa – ela deu risada – e aí quando eu entrei na adega eu vi uma mulher absurdamente alterada, ela tinha o rosto cansado, o cheiro era ridiculamente forte, de pinga barata, sabe? e na hora que eu percebi que era ela, minha mãe, eu travei. – Ela começou a fazer carinho no meu braço – eu saí da adega, sem os energéticos, escutei ela gritando o meu nome, mas entrei no carro do Pedro e a gente foi até o bar que iriamos fazer o show. Expliquei pra eles o que tinha acontecido, todos entenderam perfeitamente e a gente só foi até o bar sem trocar uma palavra.

- E o que isso tem a ver com você saber que é boa em música zé? – Perguntei me sentando na cama.

- Bicha você é ansiosa demais, calma ai que eu to falando! – Ela se sentou também e me deu um peteleco na cabeça – e quando a gente chegou na casa de show a Jade veio perguntar se eu queria fazer o show né, se era confortável para mim, eu disse que sim, virei um shot de tequila e fui pro palco. – Vi os olhos dela brilhando, não sabia se era de tristeza ou de emoção pela história – E eu toquei sem parar, era um bar de rock, mas a noite em especial era de punk e hardcore e isso facilitou minha vida, eu despejei toda a minha angústia nas minhas baquetas, quando teve a pausa eu senti meus músculos já doloridos e eu toco tem muitos anos, você ta ligada. Quando eu desci do palco algumas pessoas vieram falar comigo e falaram que eu era muito boa no que eu fazia e que queriam ver um solo meu, eu disse que tinha preparado uma coisa legal com o resto da banda, mas que isso ia ficar para o final da noite.

- E foi ai que você entendeu que você era boa com música? – Perguntei acendendo um cigarro.

- Mas que caralho Luana espera eu terminar de contar a história – Ela me deu outro peteleco na cabeça. Dessa vez me puxou para deitar no seu colo, começou a fazer carinho no meu cabelo enquanto eu olhava para cima, para seus lindos olhos castanhos.

- Ta bom, ta bom, me perdoa – Dei risada. – Só pega o cinzeiro pra mim.

- Claro princesa – Ela o colocou do meu lado – E tudo seguiu tranquilamente, bebi mais uma dose de tequila, mas eu ainda estava angustiada, meu coração doía sabe? As vezes acho que a minha mãe sumiu porque se sentia muito sozinha comigo e com o meu irmão, mas ela não pensou que a gente ia se sentir muito mais sozinho sem ela. Ela já era distante, ela sempre foi um ser humano que eu nunca achei que fosse conhecer de verdade, acho que se a gente conversou três vezes na minha vida inteira foi muito, então ver ela naquele estado, parecendo um zumbi, o olho completamente sem brilho, a pele torrada de sol, provavelmente pelas horas incansáveis que ela andou pelo Vale ao meio-dia procurando uma pinga para preencher um vazio dela, ver ela daquele jeito quebrou meu coração, não por saudade nem nada, não tem como você sentir saudade de algo que você nunca teve, mas quebrou meu coração saber que eu nunca vou ter a oportunidade de conhecer ela de outra forma...

- Mas você acha que não tem jeito? – Interrompi ela. Ela suspirou.

- Não tem pra que ter jeito, uma mulher adulta decidiu largar eu e meu irmão por causa de uma tristeza insistente dentro dela, abandonou dois adolescentes porque a tristeza dela se sobressaiu em relação ao amor que ela sentia por nós dois, se ela amou nós dois, sei lá. – Dessa vez o olho dela se encheu de lagrimas e eu me sentei na cama novamente – Não sei se é egoísmo da minha parte não querer mais estar com ela, mas ela também me magoou e eu não posso ir contra os meus sentimentos só porque ela é minha mãe, sabe? mas prosseguindo com a história. Depois disso eu fui fazer o meu solo, toquei como se fosse o último dia da minha vida, pingava suor do meu rosto, escorria suor nas minhas costas, eu não enxergava a bateria por causa do meu cabelo, mas eu conseguia acertar tudo, quando acabou o solo, meus braços despencaram do lado do meu corpo, eu sentia TUDO doer, minha respiração era pesada, ta ligado? Era densa, eu sentia cada batida do meu coração e eu me senti absurdamente mais leve, e foi ai que eu entendi que era uma boa música, porque fazer música qualquer zé mané faz, qualquer pessoa pode aprender a tocar um instrumento, mas sentir ele, sentir a musica correndo por você, eu sentia cada toque da minha baqueta, era como se aquilo fizesse o sangue bombardear no meu coração e isso é pra quem é musico de verdade. Eu posso não ser famosa, mas eu sei que eu sou uma grande artista, e foi ali que eu percebi que eu era realmente boa no que eu fazia, quando o que eu fazia me confortou, eu me senti em casa, sei lá. Não sei se isso faz sentido pra você.

- Claro que faz, eu me sinto igual em relação a literatura. – Dei um sorriso pra ela e nós duas nos deitamos, dessa vez ela deitou no meu peito.

- E quando você descobriu que era boa com literatura? Com escrita etc. – Ela olhou para mim.

- Vamos deixar isso para outro dia. – A beijei.

Passamos a noite juntas, era confortável estar do lado dela. Nossa história começou do nada e eu tenho medo, porque eu sei que vai acabar do nada também. Quando você é artista, principalmente aqui, você precisa se arriscar indo para outros lugares para tentar viver e eu sei que vai chegar a hora que ela vai precisar ir embora, ela vai precisar viajar e eu tenho medo de perder ela também. Eu sempre perdia todo mundo, mas ela foi o maior achado da minha vida nos últimos tempos. Erámos só nos duas, para todo sempre, se ela ficar.


* conto baseado em um dialogo do livro/filme Se Eu Ficar da Gayle Forman

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⏰ Última atualização: Mar 25, 2021 ⏰

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