Indelével Sob a Pele

Capítulo 33

   Estou descendo a rua íngrime de paralelepípedos com o coração quase saltando pela boca. Tinha sido um sufoco fugir das perguntas de Ford sobre para onde eu estava indo com tanta pressa, afora o olhar inquisitivo de Keyra e Claire. As duas estiveram trabalhando juntas durante toda a manhã na burocracia de relatórios médicos que Ellion precisaria levar para que a juíza, caso ela aceitasse nosso apelo.

  Tinham se passado três dias desde a nossa reunião e nada de concreto havia sido reunido e formalizado para ajudar no caso de Emily. Como todos estavam atolados de trabalho, o fim de semana era   ideal para tentar colocar uma ordem no que era preciso ser feito.

  Adam havia ido para casa dos avós, sem muita vontade, ele tinha questionado por no mínimo quinze minutos sobre ficar comigo e Ford, mas eu havia recebido dez ou mais mensagens de Lucília praticamente me ameaçando caso o neto não estivesse a porta dela até as 08:00 da manhã deste sábado. Como meu humor não estava dos melhores, preferi evitar um possível confronto ou discussão, então convenci, Adam a ir em troca de irmos ao cinema qualquer dia que escolhesse na semana seguinte. Os pesadelos tinham atingido o recorde de quase três na mesma noite e eu não dormia praticamente nada há dias.

  Ford me ofereceu ajuda, deixando que eu fizesse a  escolha de aceitar ou não. Remédios estavam fora de cogitação, terapia mais ainda. Eu não conseguia pensar em uma saída que não fosse toda aquela pressão das histórias de Kate x Emily resolvidas, para que eu pudesse finalmente ter paz.

  Ao que parecia ao menos a parte de Kate começará a se desenrolar. Uma mensagem de um número desconhecido tinha chegado para mim:

   Me encontre no antigo café que consumávamos ir depois da escola.
P.S: Não conte a absolutamente ninguém sobre isso, estamos sendo observadas.

Atenciosamente: K.M

  Se não fosse pelas iniciais eu jamais imaginaria que Kate pudesse mandar algo tão formal como "atenciosamente". Não fazia o tipo dela, não o da Kate que eu conheci na escola.

   Estudamos juntas por anos, e os que passamos mais próximas na adolescência convivi com uma, Kate totalmente despreocupada com a vida, o futuro, faculdade ou qualquer coisa. Kate matava a maioria das aulas, estava em todas as festas e qualquer palavreado formal era totalmente fora de seu alcance.

    Faço uma curva, a avenida principal tem comércios elegantes feitos de arenito sob telhados de madeira inclinados. Os prédios comerciais são enfeitados por  jardins pequenos, floridos, próximos a porta giratória de entrada. Estou em um túnel do tempo, aquele lugar ficava apenas dois quarteirões da escola que tínhamos estudado, por isso sempre que surgia uma folga ou após as aulas parávamos no café para comer as melhores rosquinhas caseiras da cidade. Minha respiração está acelerada e entrecortada, faço força para engolir a saliva conforme minha garganta se aperta ficando cada vez mais seca.

    O café fica no fim da rua, não passa de uma vitrine minúscula bem limpa com letreiro luminoso, janelas de vidro retangular ocupam parte da parede. Empurro a porta e o cheiro de massa de bolo assado inunda meu nariz. O lugar é bem aquecido e nada diferente do que eu me lembrava. Um balcão de vidro semelhante a uma estufa com todas as guloseimas que alguém poderia querer, ocupa a primeira parte da entrada e por incrível que pareça o mesmo senhor que que costumava me atender ainda permanece ali, mais velho é claro, com um  chapéu de confeiteiro e avental branco com o emblema bordado. O interior das paredes é de tijolos brancos e há  quadros coloridos com imagens de xícaras, doces e pães em quase todas as paredes. Quando passo, ele abre um sorriso me desejando boa tarde, respondo percorrendo  o olhar procurando por Kate.

   Paro, a última mesa ao lado da porta do banheiro feminino de costas para mim, encostada no assento estofado preto reconheço o cabelo loiro platinado, agora mais curto de, Kate. Cumprimento de forma breve outra atendente no balcão, peço um capuchinho e caminho com firmeza.