Capítulo 8

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   Quando nossas mãos se encontram sinto um choque tão inesperado, que recuo meu braço imediatamente piscando com força ainda olhando para ele, tento ler sua expressão para saber se ele sentiu o mesmo que eu, mas seus olhos negros apenas me encaram com assombro momentâneo.

 
— Que bom que já começaram a servir os aperitivos, estou morrendo de fome! — Ele diz ao se virar para Keira parecendo outra pessoa.

  — Nunca vi você sem estar morrendo de fome! — Ela balança a cabeça em negação rindo.

  Quando todos se dirigem à mesa, Shawn toma o lugar a minha direita e Ford à esquerda. Keira nos observa com atenção, tenho certeza que ela tinha percebido aquele clima estranho que havia passado entre Ford e eu.

  — Então, precisamos decidir o que vamos fazer com a Emily —Butler comenta, se sentando a minha frente enchendo um prato com salgados.

  — Ela precisa de mais ajuda do que podemos oferecer aqui... — Ellion fala com expressão preocupada.

  — Vamos conseguir resolver isso. Talvez até o bebê nascer conseguiremos encontrar um abrigo para eles, direcionado para mães solos ou algo do gênero — diz Ford.

  — Não é tão simples assim... — Keira intervém olhando para ele. — Para conseguir uma vaga em um lugar como esse levaria séculos! As filas de espera são enormes, sem contar as documentações... e também precisaríamos que algum responsável dela assinasse o termo de emancipação.

  — Ela ainda não teve nenhum contato ou notícias da mãe? — Pergunta Shawn a Keira.

  — Ainda não... — Ela responde baixinho. — Talvez possa haver um jeito de conseguir abrigo sem a autorização de um responsável, deve haver algo na lei que a proteja... — Ela olha diretamente para mim e continua. — Acha que poderia nos ajudar, Liz? Estamos com essa interna, ela está grávida e sem família... A mãe é dependente química, não conseguimos acesso a ela e infelizmente não temos estrutura para abrigar um bebê aqui.

  Engulo em seco olhando para o Shawn sentado ao meu lado com uma sobrancelha erguida. Tenho certeza que ele tinha planejado tudo, ele sabia que um caso como aquele me abalaria, eu não poderia virar as costas e nunca mais voltar àquele lugar, como já havia planejado. Adolescentes com famílias problemáticas e uma grávida sozinha, era definitivamente algo que mexia muito comigo.

  Shawn fora a primeira pessoa para quem contei sobres a gravidez de Adam. Eu estava mais propensa a optar por um aborto e ele praticamente me obrigou a contar para Eddie, e lhe dar uma chance para opinar. Eu sabia exatamente o que aquela garota estava sentindo, o desespero, o medo e o desamparo.

   Todos os olhos estão em mim, à espera de uma resposta.

  — Bom, tenho uma conhecida no Conselho Tutelar... posso ver com ela o que pode ser feito nesse caso. E posso procurar abrigos municipais que possam atendê-la. Mas... eu não posso assumir esse compromisso... eu trabalho muito, e como a Keira mencionou, isso pode levar um tempo...

  Ford disfarça uma risada sarcástica com uma tosse, me interrompendo.

  — Uauuu! Shawn, você nos conseguiu uma ótima assistente social! — Ele comenta com desdém.

  Fico boquiaberta sentindo meu rosto queimar, como ele se atreve a falar assim?! Shawn coloca a mão em meu ombro para me manter na cadeira.

  — Ford, não seja tão duro. A Liz trabalha no St. Louis, os horários lá são bem puxados. Eu sei que ela vai ajudar, só precisa de tempo — Shawn intermedia.

  — Esse é o problema, tempo é algo que não temos, Shawn — Ellion pondera com uma expressão séria. — Nós precisamos de comprometimento aqui.

  O que estava acontecendo? Aquilo não era para ser só uma visita?

  — Ellion está correto,— Ford dispara e completa com ironia — Mas aparentemente para algumas pessoas é difícil deixar o dinheiro de lado para um bem maior, ainda mais quando não se sabe o que é estar em uma situação de dificuldade e necessitando de ajuda.

  Começo a ver luzes vermelhas invisíveis piscando a minha frente, e minha contagem mental começa;
Um, dois, três, quatro...
Meus pensamentos se amontoam, quem ele pensa que é para falar assim?! Ele não sabe nada sobre minha vida, minha história, por tudo que já passei...

  — Você não sabe absolutamente nada sobre mim — Sibilo fervilhando. — Eu acabei de chegar e você está julgando as minhas atitudes. Quer falar sobre adolescentes rebeldes? Provoquei um acidente de carro quando eu tinha dezesseis anos e matei três pessoas. Quer falar sobre como é ser uma adolescente grávida? Engravidei aos dezessete e fiquei viúva aos vinte e um. Então, não fale sobre dinheiro ser a coisa mais importante na vida de uma pessoa que você nem sequer conhece! Eu fui convidada para estar aqui em uma visita, para conhecer o projeto, nada além disso.

  Minha voz sai tão baixa e mortal, que me assusto. Minhas unhas estão enterradas na palma das  mãos. Todos na mesa me encaram boquiabertos e Butler me lança um sorriso enigmático.

   — Uau... esse foi um bom começo, me lembrem de marcar mais reuniões assim, Liz, seja bem-vinda a equipe.

   Eles começam a conversar sobre assuntos diversos, e eu permaneço em silêncio, ponderando o que acabara de acontecer, não me reconheço, aquela não sou eu, aquela repentina falta de controle, expondo um cadáver em decomposição dentro de mim há completos desconhecidos... Respiro fundo tentando me recompor.

  Quando finalmente Shawn decide que é hora de ir embora, me despeço de todos brevemente, ignorando Ford, e passo meu número de celular para Keira, ela entrará em contato para buscarmos uma solução para Emily.

  — Você tem certeza que não quer que eu a acompanhe até em casa? — Shawn pergunta ao chegarmos à rua.

  — Absoluta.

  — Você não deveria andar sozinha tão tarde da noite, é perigoso.

  — Já sou grandinha, Shawn, sei me cuidar — Digo com firmeza.

  — Desculpe pelo Ford, ele é um cara legal, já passou por muita coisa na vida... Ele e o Butler sonharam tanto com este lugar... Sei que ele não foi tão amigável, mas de um desconto, estamos todos preocupados e com muitos problemas. — Ele diz indicando com as mãos o prédio atrás de nós. O interrompo,

  — Bom, para um cara que já passou por tantas coisas e que trabalha com pessoas com problemas... ele me parece muito propenso a pré-julgamentos — Digo secamente.

  — Liz, dê uma chance. Nós realmente podemos fazer alguma diferença aqui, e eles estão precisando muito de ajuda...

  — Como você conheceu este abrigo? A igreja está envolvida nisso também ou é um projeto pessoal seu? — Pergunto a ele, enquanto procuro meu celular na bolsa.

  — Conheci o pai do Butler há alguns anos, com o tempo nós ficamos amigos. Butler era meio desconcertado... — Ele diz esfregando os braços. — Mas sempre gostou de ajudar as pessoas, ele me procurou há alguns meses pedindo auxílio. Alguns internos daqui sentem falta de ir à igreja, de ter algum contato com Deus. De vez em quando venho nas reuniões para ouvi-los, pregar, conversar...

  — Tipo um psicólogo? — Ergo uma sobrancelha.

  — Talvez — Ele responde com sinceridade — Precisamos do máximo de pessoas trabalhando conosco. Prometa que vai tentar.

  Aquilo era uma súplica, um pedido de coração, talvez eu pudesse ajudar, talvez eu pudesse estar ali sem me envolver com aquelas pessoas, algo profissional. Nada, além disso...

   —Prometo que vou o pensar.

  Me despeço dele e sigo para casa.

Indelével Sob a PeleOnde histórias criam vida. Descubra agora