— Como... como aconteceu? — Abro os olhos e a sala permanece igual ao meu redor. Tremo sem parar.— Sinto muito que tudo tenha vindo de uma vez — Diz a Dra. Hope se levantando, indo até um aparador próximo a uma estante baixa de livros, pega uma xícara e serve um líquido fumegante da garrafa térmica, chá — Em dezessete anos de profissão, eu jamais presenciei algo tão incrível e intenso vindo de um paciente — De volta a mim, me estende a xícara pousada no pires, seu olhar é irresoluto.
— Então tudo aquilo foi — Hesito soprando a borda, antes de provar o chá — Verdade? Eu disse a você tudo que estava vendo?
— Sim, narrou cada detalhe. E para mim o ambiente foi quase palpável. Fui uma espectadora nas sombras — Ela explica — Eu fiz inúmeros atendimentos ao longo dos anos, ouvi coisas inimagináveis e presenciei outras insólitas. Mas nada como você, nada como tudo que você me mostrou. Para chegar a um indício de memória neste nível, eu levei meses com algumas pessoas, e as lembranças muitas vezes vieram falhadas, ou com relapsos de outras fases da vida misturadas, como um Frankenstein.
— Por que agora? — Indago — Como ninguém nunca percebeu que faltava algo? Você ligou o fato com a minha história? — Disparo as perguntas, mas não espero resposta — A noite que tudo aquilo aconteceu, foi a noite do meu acidente. Por isso, matei três pessoas. Eu estava desesperada e confusa fugindo pela madrugada de uma quase tentativa de estupro e assassinato. A minha vida toda eu tentei milhares de terapias, tudo o possível, para me livrar dos pesadelos e ninguém nunca conseguiu me ajudar.
Quando as palavras soam em voz alta, minha cabeça pesa. Eu tinha passado anos me culpando, me acusando de ter sido imprudente, de fato, talvez a imprudência não pudesse ser apagada completamente. Mas eu tinha tido um motivo, que estava sendo revelando agora.
— Minha querida eu sei que é difícil. Mas não sentencio os profissionais que te atenderam antes, pelo que percebi, você perdeu essas lembranças, não tinha como ninguém saber. Além do mais — Sua mão pousa em meu ombro — Há coisas que só podem ser acessadas no fundo do nosso íntimo quando permitimos, quando damos o aval para que venha à tona. Coisas assim não podem ser tomadas à força. Esse foi o momento preparado. Você estava pronta para falar.
— Talvez se eu não tivesse visto o Patrick no hospital jamais teria lembrado.
— Não. Na verdade, o encontro com ele despertou a sua curiosidade consciente, mas a sua mente tenta lhe mostrar que algo está errado há anos. Existe uma busca por aceitar o que está escondido na memória e muitas vezes reprimimos. Mas quando aceitamos entender o que a mente quer dizer é mais fácil fazer as pazes com ela, e isso traz consequências positivas no presente. Seus pesadelos eram um aviso, de que faltava uma parte na história, a parte que queria te liberar do remorso. No seu caso, você não conseguia entender o que estava causando seus problemas — Com um meio sorriso, ela prossegue — Agora que sabemos a origem do trauma vamos conseguir trabalhar maneiras de superá-lo.
— Foi a pancada que levei na cabeça que me fez esquecer. Se eu nunca tivesse esquecido, tudo seria diferente.
Penso nos anos que passei perdida dentro de mim mesma me sentindo um monstro solitário por ter tirado três vidas inocentes. Reavalio cada trilha que percorri. Meu casamento com o Eddie às pressas. Eu tinha escolhido amá-lo tão rápido por achar que ninguém jamais gostaria de mim, não depois do que eu tinha feito. Aceitei cada olhar temeroso da minha família, por que eu tinha causado tudo aquilo por nada.
Mas a verdade estava ali, e tudo poderia ter sido diferente se eu nunca tivesse esquecido que alguém tinha tentando me machucar pra valer naquele dia.
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Indelével Sob a Pele
RomanceDescrição: - LIZ. Aquele chamado íntimo com apelação. A voz firme me reivindicando, o chamado pelo qual eu andara procurando a vida toda. - LIZ. Me ergo, o rosto molhado de lágrimas e a camisola encharcada com o suor. O corpo sombreado dele está...