Capítulo Cinco (O anjo mais velho)

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Sweet tea in the summerCross your heart, won't tell no otherAnd though I can't recall your faceI still got love for you

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Sweet tea in the summer
Cross your heart, won't tell no other
And though I can't recall your face
I still got love for you

— Seven, Taylor Swift.


TW: Menção à tentativa de suicídio e ao luto.


🎭

Roseville, 2008.

A imagem nunca era nítida.

Seu rosto estava turvo, parecia censurado, como tentar observar alguém através de uma garrafa de vidro. Buscava alcançá-lo atravessando o jardim da paróquia, vendo suas flores virando lama. Esfarelando feito pó aos meus pés.

Em uma cova rasa, nos fundos da igreja, Padre Stane, desfigurado e combalido, tossia pétalas de rosas. E mesmo que minha mão amparasse a sua em uma tentativa falha de mantê-lo comigo, qualquer mínimo movimento não surtia o efeito necessário, não podia salvá-lo e sabia disso. Seus olhos azuis tinham perdido toda a luz que costumava ser espelhada neles, feito um rastro do que sempre imaginei que seria o Céu, seu lugar de origem.

Stane me olhava mas não me via, como se eu fosse só uma aparição fantasmagórica que ele tanto esperou em vida, um espelho que refletia somente o desejo, nunca a realidade.

E então, lentamente, um anjo com suas asas negras, ancoradas em areia firme, se curvava para um beijo em seus lábios e já não existia mais nada diante de mim. Nem o seu corpo. Nem seus vestígios. Nem as pétalas de rosas colocadas para fora.

Com os joelhos ardidos e a pele rasgada, as mãos fincadas na areia, continuava cavando mais e mais fundo na tentativa de encontrá-lo.

Trrrrrrrrrim. Trrrrrrrrim.

O barulho replicou como se lentamente invadisse a realidade, atravessando o meu sonho, feito badaladas fúnebres, enquanto me afogava em um mar de pétalas brancas cada vez que me esforçava para gritar com os espinhos rasgando minha garganta, fechando a glote. Pétalas e pétalas despencavam do Céu, lançadas por mãos ensanguentadas, rostos conhecidos e tristes. Todos aqueles que amava estavam presentes.

O funeral era meu.

Trim. Trim. Um som familiar e ao mesmo tempo, atípico, discordante persistia. Trim, Trim. De novo. Mais alto. Mais e mais violento.

Acordei assustada, com o Sol invadindo e queimando a minha pele através da janela aberta, o vento tinha arrastado a cortina para longe, deixando a luminosidade banhar o quarto.

Os estilhaços de vidro continuavam ali, no canto da parede, e o gosto amargo e residual no fundo da garganta também se fazia presente, me fazendo vomitar todo o líquido de cor marrom antes mesmo de chegar ao banheiro, no súbito impulso e na ideia de merda de levantar rapidamente, provando que ainda estava meio alucinada como das outras vezes que o mesmo ritual de abstinência se estendeu por uns dias. Me mantive limpa por uma semana ou duas e nas seguintes, fodi com tudo, fazendo com que o efeito do álcool sempre parecesse inédito no meu corpo. Como agora.

BADLANDS • JK.Onde histórias criam vida. Descubra agora