Capítulo 3

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Acordo atrasada na manhã seguinte. Desço da cama saltitando para me livrar dos lençóis e corro para tomar banho e me arrumar no menor tempo possível.

— Bom dia, mãe! Bom dia, pai! Tchau, mãe! Tchau, pai!

Antes que eles possam protestar, agarro uma maçã na fruteira e as chaves do carro na mesinha, correndo contra o tempo.

Meus cabelos soltos roçam pela minha clavícula. Resmungo, mas continuo dirigindo. Esse vai ser um longo dia.

🎼

Puxo os fios de cabelo agarrados na prótese auditiva pela vigésima vez no último tempo, fazendo careta. Existe um motivo para meu cabelo sempre estar preso, ou pelo menos contido com um lenço, uma bandana, ou uma tiara: ele sempre se agarra ao aparelho. Como agora. Na correria de chegar à tempo, esqueci de prendê-lo ou de pegar qualquer coisa que o impedisse de estar em contato com a prótese. Penso em dar um nó, mas com minhas ondas na altura dos ombros, é impossível. Bufo, jogando-os para trás outras vez.

Oito minutos para o fim da aula. Melhor do que nada.

Perco a concentração no que a professora diz — sobre um trabalho a ser entregue, na última vez que prestei atenção — quando meu cabelo emaranha-se outra vez no aparelho auditivo.

Estou tirando a prótese do ouvido quando o sinal de troca de aulas soa e me levanto, tentando organizar bolsa, caderno e aparelho pendurado pelas mechas em minhas mãos.

Com custo, consigo guardar as coisas em uma quase ordem enquanto a geringonça de plástico oscila de um lado para o outro, como o pêndulo de um relógio antigo, agarrando-se aos fios marrom-avermelhados com afinco. Ergo a cabeça para notar a sala esvaziando e me arrasto para a confusão do corredor com uma careta.

Com um dos ouvidos livre do filtro de ruídos, o zumbido é insuportável. Ainda mais com o acúmulo de vozes e cacofonia que surge do agrupamento de dezenas de jovens músicos. Sou uma garota pequena, desajeitada e parcialmente surda engalfinhada entre gigantes brutos com vozes de megafone. Quando estou quase me afogando em autocomiseração, sou empurrada para frente por um corpo com o dobro de tamanho do meu. O aparelho voa das minha mãos — e de meus cabelos — e me apavoro. O garoto olha pra traz e grita um pedido de desculpas apressado. Nem estou mais prestando atenção, procurando o objeto perdido no chão em desespero. O zumbido parece triplicar. Olho pra cima por um momento, esperando a sensação passar.

Um rapaz esguio ajoelha perto de mim, erguendo os olhos rapidamente e observando ao redor. Seus olhos se fixam em mim e em minha expressão e ele se ergue.

Quase derreto de alívio quando vejo o que repousa em sua mão e levo a minha até o coração. Me apresso em sua direção enquanto ele caminha calmamente até mim.

— Meu Deus, obrigada! — minhas mãos se apressam a tomar o instrumento do caos da palma dele, mas ele a afasta delicadamente.

— Eu devolvo.

Fico estática quando ele sobe as mãos para minha bochecha, virando para si o lado em que a orelha permanece vazia, e então arruma meus cabelos atrás dela. Mas então alguém esbarra em suas costas e ele é empurrado contra mim. Tenho um leve vislumbre da prótese escapando de sua mão e então voltando rapidamente para ela, apenas o tempo suficiente para fazer meu coração escalar minha garganta. Afasto os pés para me estabilizar e ele faz o mesmo com minha cintura, impedindo que eu colida contra a parede. Percebo um segundo mais tarde que estou agarrando seu antebraço com as duas mãos e me apoiando muito mais nele do que em minhas pernas. Me endireito, soltando-o.

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