Os cinco primeiros dias foram de um silêncio sepulcral e perturbador, uma espiral descendente dentro da minha cabeça, dias em que eu esperei por horas, acordada de madrugada, que Deus falasse. Que me desse uma explicação.
Eu não estava querendo muito. Eu aceitaria qualquer coisa.
Só queria saber porquê.
Mas ele se manteve calado.
E quanto mais silêncio fazia, mais minha raiva escalava das profundezas até a superfície, queimando tudo no caminho.
Eu chorei. Fiz acusações. Passei dias inteiros apenas olhando para o teto e tentando fugir daquele pedaço de mim que já não estava mais lá.
Tudo que eu recebi foi... ausência.
— Não importa mais. Não importa. — foi o que eu disse ontem, antes de me sentir tão cansada que desabei e dormi no chão.
Então hoje, enquanto eu permanecia deitada contra o assoalho frio, começou a ficar barulhento.
Uma única palavra, se repetindo diversas vezes, sem pausa.
Olhe, olhe, olhe, olhe, olhe, olhe, olhe.
Um arrepio esquisito eriça os pelos em minha nuca, meu coração batendo mais rápida e pesadamente.
Meus olhos percorrem o quarto, ávidos por algo diferente, algo a ser observado.
Repito o mesmo processo várias vezes antes que meus olhos captem algo atípico. Meu estômago gela quando eu o faço. A palavra parou de ser dita.
Meu relógio antigo e problemático, que recentemente parou de vez, voltou a funcionar, mas apenas os ponteiros dos segundos se mexem. Os outros dois continuam parados em um número fixo: 3 horas e 26 minutos.
Estaco por bons minutos, esperando um movimento que não vem.
Então outra palavra soa em minha mente.
Encontre, encontre, encontre, encontre, encontre, encontre, encontre.
Reviro minhas coisas, em busca do objeto que fará a palavra cessar. Roupas vão pro chão. As dezenas de bugigangas que eu coleciono mudam todas de lugar. Espalho meus lápis, folheio livros. Abro a gaveta da escrivaninha.
A palavra morre com um último pensamento.
Diversas coisas ocupam espaço ali, mas meus dedos são atraídos para algo específico.
Minha Bíblia.
Aperto o calhamaço, minhas unhas arranhando levemente a capa de couro, parecida com a do caderno que eu costumo carregar.
Abra, abra, abra, abra, abra, abra, abra.
A palavra reverbera dentro de mim enquanto seguro o livro pesado em minhas mãos. Uma chama pequena e intensa ondula, derretendo gelo dentro de mim.
Sento na cama bagunçada. Talvez eu tenha esquecido como se faz isso.
Apoio a lombada no colchão e deixo que a Bíblia se abra sozinha. A brancura das páginas faz uma sensação estranha se apossar em meu estômago. Caio na primeira página de Lamentações de Jeremias.
Fito o relógio, ainda travado no mesmo horário. 3 e 26.
3:26
Um capítulo e um versículo.
Viro páginas até chegar ao capítulo 3 de Lamentações.
Leia, leia, leia, leia, leia, Leia, leia.
Encontro o versículo 26.
“Portanto, é bom esperar em silêncio pela salvação do Senhor”
Solto um som amargo do fundo garganta, metade risada, metade suspiro.
— Silêncio. Isso é sério?
A voz se cala.
— É claro que é.
Devolvo a Bíblia para a gaveta.
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Último Som
Romance"A vida inteira, meu mundo foi feito de sons. Cores se convertiam em notas, formas tornavam-se acordes. E tudo convergia em uma melodia infindável, incomparável. Minha alma. A música me reivindicou, me tomou pra si, me escolheu. Tudo o que vejo é m...