"A vida inteira, meu mundo foi feito de sons. Cores se convertiam em notas, formas tornavam-se acordes. E tudo convergia em uma melodia infindável, incomparável. Minha alma.
A música me reivindicou, me tomou pra si, me escolheu. Tudo o que vejo é m...
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A luz vaza pelas janelas cedo demais, um brilho suave incomodando meus olhos. Eu os esfrego antes que consiga abri-los.
Uma figura assoma-se ao lado da minha cama, em uma posição desconfortável e aparentando mal ter dormido.
Vicente está ressonando em uma poltrona arrastada do canto do quarto, um cobertor sobre suas pernas, o pescoço pendendo em um ângulo dolorido, a meros centímetros de mim.
Foi assim que ele passou a noite?
Eu não me mexo para nada além de conseguir uma visão melhor dele. Observo-o enquanto dorme, o rosto livre de expressões e o sobe-desce de seu peito em respirações cadenciadas. Sinto uma súbita vontade de sorrir.
Às vezes acho que Vicente simplesmente sabe quando o escrutino assim. Que sente meu olhar sobre ele ou perceber quando estou prestando atenção. Porque não demora muito para que suas pálpebras tremulem e ele me encontre encarando.
— Bom dia. — ele sorri.
É a cara de Vicente passar a noite embolado em uma poltrona e acordar sorrindo.
E apesar de ser absurdamente cedo e de eu me apegar a cada resquício de sono que me resta, me pego sorrindo de volta.
🎼
Vicente volta para o próprio quarto enquanto eu me arrumo para o café da manhã. Tomo um banho, ansiosa pela sensação de limpar a noite anterior da minha pele.
É sempre muito assustador estar do lado de dentro de uma crise. Mas também é muito assustador estar do lado de fora, e me questiono como foi para Vicente assistir à tudo aquilo.
Ele bate na porta quando termino de me vestir e apenas ajeito o cabelo com as mãos antes de abri-la para ele.
— Oi.
— Oi. — ele parece um pouco nervoso por algo.
— O quê foi? — questiono, abrindo espaço para que ele entre no quarto.
Ele solta o ar, caminhando para dentro.
— Preciso te perguntar uma coisa.
Apenas olho para ele, esperando que prossiga.
— Lu, se quiser voltar pra casa, tudo bem. Com a crise de ontem...
É, eu sei. Eu ainda parecia cansada quando me encarei no espelho essa manhã. Vicente não está muito diferente, ambos aparentando a noite mal-dormida que realmente tivemos.
Mas balanço a cabeça em negação.
Acho que tive algum tipo de resolução milagrosa entre o momento em que dormi ontem e que acordei.
— Você prometeu que me levaria para conhecer a cidade. Não pretendo fazê-lo quebrar sua promessa.
Ele parece lutar contra um largo sorriso, e sei disso pela forma como suas covinhas aparecem e somem, repetidamente, sem firmarem-se. Entrego esse sorriso.
— Tem certeza?
— Toda.
Porque não vou perder mais nada pro silêncio.
— Por que estava nervoso pra me perguntar isso?
Ele segura minha mão e me puxa pra mais perto.
— Eu meio que já tinha uma resposta favorita para essa pergunta.
Dou risada. E então passo os braços pela sua cintura. Vicente corresponde o abraço, segurando minha cabeça contra seu peito.
— Obrigada. — digo, abafado. — Não só por ontem.
Ele balança a cabeça, a rara timidez fazendo um tom de vermelho subir por sua nuca. É bonitinho e incrivelmente satisfatório vê-lo envergonhado.
— Estou feliz por você estar aqui. — diz contra meus cabelos.
Ele beija o topo da minha cabeça e se afasta poucos centímetros. Ele indica o andar de baixo com um gesto vago de cabeça
— Vem, seu precioso café vai esfriar.
Eu desço a seu lado, com uma incrível vontade de saltitar.