"A vida inteira, meu mundo foi feito de sons. Cores se convertiam em notas, formas tornavam-se acordes. E tudo convergia em uma melodia infindável, incomparável. Minha alma.
A música me reivindicou, me tomou pra si, me escolheu. Tudo o que vejo é m...
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Às vezes é estranho pensar que adquirimos intimidade o suficiente para, neste momento, eu estar estirada no banco da frente, com os pés no painel do carro, alternando o rádio entre rock dos anos 60 e pop 2000-2010, enquanto Vicente dirige para fora da cidade, para um lugar que nem sei qual é.
Ele cantarola vez ou outra e finjo não perceber toda vez que me olha. Ele faz o mesmo quando é minha vez olhar. É um acordo mútuo.
Eu estou lutando para gravar sua voz.
É um esforço estranho, na maior parte do tempo, me concentrar mais na sonoridade, no tom e na cadência do que no que Vicente realmente está falando.
Mas não posso evitar.
Eu quero me lembrar exatamente de como é, quero recordar com detalhes a ação que tem sobre mim.
Não contei isso para ele, mas é como se não precisasse, aquele entendimento que corre entre nós fazendo todo o trabalho por si só.
Então ele repete coisas, fala devagar e me manda dezenas de áudios em vez de mensagens de texto.
Meu coração dispara toda vez que ele faz algo assim.
O sol começa a descer e o céu ganha um tom de rosa, algumas nuvens se tingindo de roxo bem claro. Me distraio com isso e mal sinto o carro parar até que Vicente abra a porta para mim.
Olho em volta e não vejo nada. Simplesmente nada.
Estamos parados no meio de um campo extremamente extenso de grama verde e só. Nada macula a paisagem além das inclinações do terreno e uma ou outra árvore esporádica. O canto de uma cigarra é o único som no local e não vai demorar a silenciar, levando em conta a velocidade com que o sol cai.
Torço os lábios.
— Estamos perdidos?
Vicente estreita os olhos para mim.
— Pare de fazer isso com a boca. É bonitinho demais.
Seguro um sorriso.
— E não estamos perdidos. — ele prossegue — Eu sou ótimo em geografia.
— Pare de se exibir.
É uma espécie de vazio calmante, esse lugar. Me dá vontade de correr e deitar, gargalhar e afundar em quietude, tudo ao mesmo.
— Não acho que tenha algum som aqui. — porque foi por esse motivo que Vicente me arrastou para cá.
— Exatamente. — ele sorri misteriosamente e não concede explicações.
Vicente se recosta na lataria do carro por alguns segundos e percebo, pela forma como força os olhos, que está tentando estabelecer até que ponto sua vista alcança.
— Quer apostar corrida? — um sorriso matreiro se forma em seus lábios. — Até aquela árvore — ele aponta para o menor dos pontos verdes, o mais distante — e de volta.