"A vida inteira, meu mundo foi feito de sons. Cores se convertiam em notas, formas tornavam-se acordes. E tudo convergia em uma melodia infindável, incomparável. Minha alma.
A música me reivindicou, me tomou pra si, me escolheu. Tudo o que vejo é m...
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Vicente está mais relaxado do que nunca quando coloco minha mochila no porta-malas, toda sua energia agitada contida apenas em um sorriso largo que ele não abandona.
O sol já está alto no céu. Os pais deles saíram muito mais cedo que isso, mas nós dois precisávamos ir à faculdade por motivos distintos, então atrasamos em algumas horas nossa pequena aventura. Agora, vamos encarar a estrada sozinhos.
Ele está batucando os dedos no volante quando me sento no banco do carona a seu lado.
— Cinto de segurança. — advirto, enquanto travo o meu próprio.
— Você vai dar uma mãe muito boa, sabia?
— É, eu sei. Estou treinando com você. — zombo.
Ele faz uma careta de dor fingida.
— Essa doeu, tá bom?
Dou risada, inclinando-me para a frente, meus dedos correndo pelos botões do rádio em busca de uma estação que combine conosco. Paro de mexer quando uma melodia conhecida começa a tocar nos alto-falantes. Esforço-me para ouvir melhor. Parece algo de James Arthur. Can I be Him, descubro, um segundo depois.
Viro meu rosto por sobre o ombro. Vicente me observa e seguro seu olhar. Lentamente, um sorriso se desenrola pelo seus lábios. Ele sussurra o nome da música no momento em que é cantado e tenho certeza de que perdi meu coração e ele foi substituído por algum dispositivo que se movimenta muito mais rápido, muito mais acelerado.
Recosto-me devagar no banco, como se não exigisse muito esforço não olhar para ele. Viro-me para janela antes que ele veja o pequeno sorriso que não consegui conter.
🎼
Eu me lembro de algo minutos mais tarde, quando estamos saindo da Ponte. Procuro algo na bolsa menor que trouxe comigo e pego minha garrafa de água começando a pingar.
Destaco um comprimido da cartela e o engulo com um gole na garrafa.
— O que foi? Está se sentindo bem? — ele pergunta, um tom de preocupação permeando suas palavras.
— Estou bem. — tranquilizo-o — É remédio para enjôo. Eu tomo por causa da Síndrome.
Ele assente, mas ainda há incerteza em sua expressão.
É só uma precaução.
Eu só não consigo parar de me esforçar para evitar um novo encontro com o silêncio, em qualquer uma de suas formas. A possibilidade de uma crise me assusta, mais do que gostaria de admitir.
O carro balança em um ritmo perto de constante e Vicente abaixa um pouco o volume do rádio. Agora consigo escutar a cadência de minha respiração mais alto. Meus olhos pesam à medida que nos movemos.
É só por um minuto, penso, fechando-os, é só por um minuto.
🎼
Um sopro em meu rosto faz minhas pálpebras tremerem, mas mantenho-as abaixadas. Murmuro algo ininteligível e me acomodo. Uma risada toma meus ouvidos, um som conhecido. Meu peito estremece.
— Lu. — um sussurro. Um sopro.
Abro os olhos devagar, a luz fazendo com que minha visão demore a se encaixar, o sono ainda levando o melhor de mim.
— Chegamos. — ele diz.
Isso me desperta.
— Chegamos? Por que não me acordou antes?
— Você parecia tão calma dormindo. Quase angelical. Não consegui me obrigar a te acordar.
Tudo em mim suaviza.
— Eu queria ver a cidade! — aponto.
— Nós teremos dias, você vai ver tudo o que quiser da cidade. Prometo.
Vicente insiste em carregar todas as malas, concentrando todas em uma mão só e entrelaçando a outra à minha.
O sol esquenta a fachada de traços bonitos e delicados da pousada, fazendo uma gota de empolgação subir pelo meu interior. Hera bem cuidada com flores rosa-escuro sobe pela lateral da parede, escalando para se enrolar à vigas de madeira que criam uma sombra vazada no chão. Ergo os olhos para o letreiro.
Locanda Della Fontana.
— É um nome bonito. De onde veio?
Ele me olha com curiosidade.
— Significa “Pousada da Fonte”, mas se chama assim porque é nosso sobrenome.
Paro, puxando-o de volta comigo.
— Seu sobrenome é Della Fontana?
Sua expressão é confusa e risonha.
— Sim. — confirma, acenando com a cabeça. — O primeiro deles.
— E por que você não usa? Eu nem sabia que sua família era italiana!
— Tá falando sério? — incredulidade colore as palavras — Luísa, você comeu um cornetto logo na primeira vez que foi na minha casa. Tem Itália para todos os cantos lá.
— Eu comi um croissant!
Ele dá risada, daquela forma que ilumina o castanho em seus olhos para um tom mais brando, mais escuro que o mel.
— Aquilo não era um croissant e você tem muito a aprender. — ele começa a caminhar na frente, acenando com a cabeça — Vamos, sua aula está apenas começando.