Capítulo 37

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Vicente está parado na frente do mesmo café de tijolinhos brancos onde me trouxe no dia em que nos conhecemos, aquele que tem o melhor milkshake que ele já provou na vida  – palavras dele – , os olhos ávidos procurando por Thais

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Vicente está parado na frente do mesmo café de tijolinhos brancos onde me trouxe no dia em que nos conhecemos, aquele que tem o melhor milkshake que ele já provou na vida  – palavras dele – , os olhos ávidos procurando por Thais. Observo-o correr os dedos pelo cabelo em um gesto nervoso pela segunda vez em poucos minutos. E meu coração transborda, disparando a batidas rápidas. Ele não faz ideia. Não faz ideia do que acontece comigo sempre que o vejo.

Toda a coragem que me preencheu quando vi os olhos da minha mãe brilharem, me observando finalmente pôr os pés para fora de casa, agora escorre por entre meus dedos.

Um cutucão em minhas costelas faz com que eu pule no lugar, me tirando do transe.

— Vá pra lá! — Thais aponta — Agora. Ou então eu te arrasto pelos cabelos.

— Talvez seja melhor conversarmos depois. — sugiro, nervosismo revirando em minhas entranhas enquanto repasso as cartas em minha mente, palavra por palavra, em busca de indicativos de que ele, apesar do que escrevera, de fato desistira.

Outra pontada na costela. Agora um beliscão. Gemo e esfrego o local, olhando feio para Thais.

— Pare de ser boba. Você sabe que esse homem te ama. Adiante o processo. Quero ser madrinha enquanto todos os fios do meu cabelo ainda estiverem pretos.

— Você é insuportável, sabia? Como é que eu te aguento?

Ela sorri com lábios curvados em presunção.

— Você me ama, Lulu. Agora vá encontrar o segundo amor da sua vida, já que o primeiro sou eu.

Ela me empurra em direção a Vicente, ainda parado no mesmo lugar. Começo a caminhar mas paro e viro meus ombros de volta para minha amiga.

— Tatá.

Ela ergue as sobrancelhas para minha enrolação.

— Não bisbilhote. — digo, sorrindo.
Thais finge sua melhor cara de inocência.

— Isso nem passou pela minha cabeça.

A vontade de gargalhar agita meu estômago, mas ela morre no momento em que percebo que entrei no campo de visão de Vicente e seus olhos pousam em mim, castanhos e quentes, quentes, quentes, mel espiralando em suas íris com o raios de sol que batem sobre ele.

Abro a boca, mas não há nada bom para dizer. Sei que quero passar meus dedos pelos seus cabelos. Sei que quero contornar a curva de seu sorriso. Quero dizer a ele que também não vou desistir. Mas hesito.

Estaco a cinco passos de distância e espero que ele encontre um jeito de começar isso. Sempre foi fácil para nós, mas agora não é. Eu esperava que fosse.

Mesmo assim não posso evitar meu coração batendo mais forte quando ele fala – e gesticula para mim:

— Já faz algum tempo.

🎼

Ele volta para a mesa com um copo de café e um de milkshake, como da primeira vez. Estamos na mesma mesa. Isso me deixa nervosa de um jeito estranho. Como se estivéssemos fechando um ciclo. Bebo um gole do líquido quente em meu copo. É bom, mas o café de Vicente é melhor de muitas maneiras.

— Por que a doida da Thais me mandou uma mensagem para encontrá-la com urgência aqui? Por que não você?

Bebo mais um gole para adiar a resposta.

— Porque ela tem a cara de pau que eu não tenho. — digo.

Vicente deixa escapar um sorriso tímido no canto dos lábios. Ele parece cansado.

— A resposta de verdade. — ele pede.

Contenho um suspiro, que por fim acaba escapando antes que eu diga:

— Porque eu senti sua falta, e estou morrendo de medo que você não sinta mais o mesmo.

A ausência de respostas dele atiça minha língua, me faz continuar falando, tentando fazê-lo entender.

— Eu não queria ter te afastado.

— Eu sei.

— Eu só... eu precisava desse tempo.

— Eu sei.

— Muita coisa mudou pra mim.

— Eu sei.

— Alguma coisa mudou para nós também?

Depois desses dias, eu deveria estar melhor acostumada com o silêncio, mas nesse momento ele me incomoda drasticamente. Os olhos de Vicente não largaram os meus, prendendo-me como se quisesse puxar meu coração para fora, cada ínfimo sentimento.

— Pergunta.

Assinto, esperando.

— Você não leu minhas cartas?

Faço que sim.

— Li. Hoje.

Algo muda em sua expressão, mas estou com medo demais para tentar identificar. Fecho os olhos e continuo.

— Você se lembra daquele dia na biblioteca? — Vicente faz que sim — Eu disse a você que estava perdendo coisas demais. Se lembra disso também?

— Eu me lembro.

— Eu demorei a perceber, Vicente, mas não estava falando da cidade. Estava falando dele. Eu estava perdendo aquele que eu reivindiquei como Pai e nem tinha percebido. Não era a síndrome que estava me destruindo. Era a falta que eu sentia dele.

Ele assente, como se soubesse de tudo aquilo também.

— Eu precisava resolver isso. Precisava ficar à sós com ele. — batuco nervosamente os dedos na mesa. — Mas eu não sabia disso quando fui embora. Naquele dia, eu estava fugindo.

Vicente segura minha mão por cima do tampo, acariciando cada um dos calos formados por anos de violino, e é a primeira vez que quero que ele não diga nada, porque aí ele teria que soltar minha mão e estou com tanta, tanta saudade dele. E é possível que toda essa situação seja um exagero enorme, foram só alguns dias, mas meu coração não se importa com o tempo. Meu coração se importa com esse homem.

— Me desculpe por fugir. Me desculpe por afastar você e ter esperado treze dias no silêncio até finalmente ler suas cartas. Me desculpe por amar tanto você que a mera possibilidade de que você tivesse mudado de ideia a respeito de mim faz meu coração parar. Eu estou morrendo de medo, Vicente, porque não me imagino mais sem você.

Arquejo quando termino de cuspir as palavras que se acumularam dentro de mim sem parar durante tempo demais, tempo demais em que o deixei no escuro. Agora quero, preciso que ele ouça. Preciso que ele saiba que também segura meu coração na palma de suas mãos.

Seus olhos brilham quando ele me olha.

— Meu Deus, eu amo você, Luísa! Eu amo você!

Suas palavras despertam uma onda de euforia tão genuína que me sinto a ponto de brilhar. Meu estômago se contorne com uma risada, metade alívio, metade pura felicidade, de um jeito que jamais esperei sentir. É o tipo de coisa que só pode vir de Deus, e o que nós temos nasceu dele.

— Você pode repetir tudo o que acabou de dizer? — ele pergunta — Quero gravar.

Estreito meus olhos em sua direção.

— De jeito nenhum. Vai ter que se contentar com sua memória.

Mas assim que digo isso, articulo com os lábios, sem som:

— Eu te amo. Pra sempre.

Vicente abre o sorriso mais largo e lindo que eu já vi, suas covinhas totalmente aparentes em suas duas bochechas. Meu coração dança em meu peito. Entrego esse sorriso para Jesus, sentindo meu Pai sorrir para nós também.

E parece um começo. Parece o começo de algo muito, muito bom.

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