XIII - Pôr do Sol (Parte 1)

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- Desculpe moça, eu não entendi direito. - Diz o recepcionista do prédio, coçando os olhos. O jovem que me atendia atrás do balcão de mármore tinha um curto cabelo castanho, usava óculos circulares e vestia um uniforme negro todo amassado. Seus olhos azuis, distantes, encontravam dificuldade em se manterem abertos.

- Você poderia chamar um táxi pra gente? Meu celular quebrou e o do meu amigo tá com a bateria zerada. - Digo, impaciente. - Não conhecemos muito bem os arredores, a gente tá numa situação meio complicada. - Ele pisca os olhos com força, acenando vagamente com a cabeça.

- Claro, tem um... - Ele começa a falar, mas é interrompido por um longo bocejo. Por um segundo senti vontade de empurrar aquele menino, pegar seu celular e chamar o táxi eu mesma. - Uah, Tem um ponto de táxi umas três quadras daqui. Não é muito longe, só virar a esquerda quando sair do prédio e seguir reto pela avenida.

- Não, eu tô falando sobre pedir um, moço. - Respondo, olhando de relance para a porta de entrada. Estávamos demorando demais e o recepcionista continuava confuso. O desgraçado nem tinha acordado direito.

- Como assim? Você quer que eu peça um táxi? - Ele desvia a atenção olhando para César, que tomava água do bebedouro metálico no outro extremo do salão. Ainda bem que ele estava de costas para nós.

- Sim, por favor! - Digo, me controlando para não soltar o tom. Minhas orelhas dão um espasmo dentro do capuz, em resposta. O moço olha estranho, coçando os olhos.

- Entendi... Desculpa moça, o GPS do meu celular anda todo bugado recentemente. Não tô nem mais conseguindo entrar no Digimen Go, imagina táxi. - Dou uma batida fraquinha no balcão.

- Tá, valeu. - Viro as costas e vou até César em passos rápidos, dando uma puxada leve em sua camisa. Ele vira para mim com um pouco da língua ainda para fora, botando para dentro rapidamente.

- Tem um ponto de táxi aqui perto. Bora. - Ele olha para o recepcionista de relance e depois para mim, me acompanhando.

- Deu ruim?

- Ainda não.

Ao passar pelas portas automáticas e sair do prédio, recebo o fraco conforto do sol que se escondia atrás de uma pequena nuvem, acima de nossas cabeças, a única diante todo o céu azul. A avenida, para minha surpresa, continuava da mesma forma que a encontrei quase uma hora atrás: completamente vazia. O silêncio parecia maior, e o frio apenas piorava a situação. Me sentia no começo de um filme de terror.

- Samira, que horas são, mesmo? - Ele reduz um pouco para olhar em volta.

- Da última vez que vi era perto do meio dia. - Nós cruzamos a rua e César dá uma corridinha para me acompanhar.

- Agora eu entendi o que você quis dizer lá no quarto. Que bizarro.

Um luxuoso carro vermelho passa casualmente quando chegamos do outro lado da travessa, ignorando o farol, que tinha acabado de ficar vermelho.

- Você acha que hoje é ponto facultativo, ou algo assim? - Ele pergunta.

- No meio da semana, por motivo nenhum? - Não paro o passo, avistando uma jovem toda empacotada no final da esquina, levantando as grades de uma padaria às pressas. Ela abre com dificuldade e vira o rosto em nossa direção por um momento, desviando o olhar e voltando a balançar a cabeça, dançando. Estava usando fones de ouvido.

- César, atravessando.

- Ãhn? Por que? - Eu dou uma puxada no pulso dele para atravessar comigo, vendo que ele continuava seguindo em frente.

- A moça, inferno! É melhor a gente começar a ir pelas esquinas, isso não vai dar certo.

- Menina, ela tava no final da rua. A gente tá indo pedir um táxi, Samira! Eu não tenho como ficar invisível, pô! - Atravessamos para o outro lado, no mesmo ritmo. - O ponto fica a três quadras, certo?

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