VI - Afogando em Pensamentos

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Viro lentamente com os braços para cima, tremendo em estado de pânico. Tinha ciência de que minha vida poderia acabar por causa de um movimento brusco, um espirro, um susto. O objeto frio e metálico encostava em minha nuca, a arma não mexia um centímetro.

- Sério, isso tudo tá sendo incrível, eu tô muito animado. - O homem atrás de mim diz, mas sua voz não demonstra o que fala. - Vai, engole essa cara de choro, Samira. Você sabia que isso ia acabar acontecendo.

- Por que você nunca me deixa em paz? - Ela diz entre os dentes, ainda com as mãos para cima. Lágrimas desciam do seu rosto, e ela tremia muito. Ver ela daquele jeito não somente doía como me dava ódio, o pior tipo de ódio: De ser incapaz, de ter que assistir a cena sem poder fazer nada a respeito.

- Eu te deixaria se você terminasse o seu serviço. Você sabe muito bem disso. - Ele me empurra para frente.

Agora, junto com os dois, conseguia ver o covarde que empunhava a arma. Era um homem alto e robusto, olhos azuis sérios, cabelos curtos com um topete e um pequeno sorriso no rosto. Ele vestia uma jaqueta preta e ajeitava, em seu pescoço, um cachecol azul de lã. Sua calma nessa situação me apavorava.

- Aliás, eu te paguei toda aquela quantia enorme por um motivo. - Diz ele. César interrompe, dando um passo para frente.

- Beleza cara, o que você quer? Se ela tá te devendo alguma quantia em dinheiro é só falar quanto que eu pago, não tem problema. - Sua voz soava tensa, mas havia um peso nela que me deixava desconfortável. Ele não sabia o que estava acontecendo.

- hã-hã, Não é assim que funciona. - Ele gesticula com a arma. - Ela aceitou em fazer o serviço, eu paguei, e ela vai terminar. Simples. - César olha confuso para Samira e depois para o homem, que continua falando.

- Olha, honestamente, tá sendo bem mais divertido desse jeito. Olha essa cena! Sua carinha de desespero tá valendo cada minuto. - Ele não parava de encará-la, como se só ela estivesse na rua. Ele se aproxima, agora a três palmos de distância da minha testa. Eu queria cortar sua visão, me enfiar na frente da Samira, qualquer coisa, mas não conseguia, meu corpo não respondia. A única coisa que conseguia fazer era tremer e tentar engolir aquele calombo na garganta, que sufocava não só meu choro como muitas outras coisas.

- Ah, eu vou apreciar isso melhor, depois. Como você, Samira, eu também tenho um acordo para cumprir. - Seu sorriso some. - Todo mundo pro carro.

- Ele aponta para o primeiro carro, no final da rua. Nós fomos andando relutantemente, em silêncio. Durante o caminho, percebo que César estava agindo estranho. Ele nos acompanhava com certa dificuldade e se apoiava na parede enquanto atravessávamos a rua pela calçada.

Os soluços abafados da Samira eram a única coisa que ouvia, ecoando pela noite. Ao olhar melhor para o táxi, estacionado perto do carro preto, não vejo ninguém dentro.

- Fiquem aí. - Ele diz, quando chegamos no carro, indo para trás e abrindo o porta-malas. Ele pega um par de algemas habilmente, sem tirar o contato visual, ainda apontando a arma. Imaginei a Samira dentro daquele espaço apertado, sufocando, e tive uma vontade enorme de sair correndo ou gritar, um impulso que não saiu da minha cabeça.

Minha resposta, quando ele voltou e chegou perto de Samira, olhando-a com um sorriso malicioso no rosto, foi tremer mais.

- Você lembra dessas aqui? Vamo, estende o braço. - Ela recua uns dois passos, em silêncio. Ele pega um de seus pulsos a força, e Samira responde com um chute forte em sua canela.

Eu quase gritei com a reação. O homem morde os lábios com raiva, empurrando Samira com força pelo braço e destravando a arma. Isso a fez cair na frente da porta aberta do carro. Ele estava de costas para nós dois, mas sabia que Samira levaria um tiro no momento em que eu desse um passo para frente, e isso me agonizava profundamente.

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