XIV - Pôr do Sol (Parte 2)

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O que estava prestes a fazer não era novidade para mim. Vivia mentido sob pressão nos meus anos de escola, respondendo à atenção que os hematomas em meu corpo criavam, pelo menos os que não conseguia esconder. Nos tempos em que tinha tanto pavor de algo que provavelmente me faria bem, ao longo prazo.

Só fui descobrir tarde demais que o lugar para onde iria, caso alguém descobrisse sobre os abusos que minha mãe cometia, não era tão horrível quanto todo o cenário que ela mesmo tinha botado na minha cabeça. Foram vários e vários contos sobre acidentes falsos, brigas que nunca havia participado, histórias mirabolantes que me deram certa experiência. No final das contas, ou era boa no que fazia, ou ninguém daquela escola realmente se importava comigo. Minha suposição, da última vez que pensei a respeito, era um misto dos dois.

Ajusto meu capuz firmemente na cabeça, olhando para o imponente prédio branco à minha frente. A calçada por onde passávamos se unia com uma das entradas do parque, criando um tipo anormal de rua sem saída. Eu estava morrendo de medo.

- Espero que esse teu plano esteja bem formado na sua cabeça, porque agora não tem mais volta. - Diz César, olhando para frente. Ele não se escondia mais dentro do capuz, sua pelugem do rosto movendo conforme a corrente fria de ar batia nele. Não havia ninguém nas redondezas, o parque estava fechado, e o taxista tinha acabado de partir.

- Vai dar certo. - Olho brevemente para ele e respiro fundo, tomando postura e começando a andar em direção ao prédio. - Precisa dar.

Não havia nenhum segurança na frente das portas automáticas, o que já era estranho. Tinha imaginado que o lugar fosse lotado de guardas, e meu coração já palpitava forte só de pensar nisso. Eu coloco uma mão nas costas de César e vou empurrando ele para frente, ficando a alguns metros de distância da porta.

- Vamos. - Falo baixinho, juntando coragem e dando mais um passo, deixando as portas automáticas se abrirem.

Eu entro no prédio com a postura ereta e o olhar mais sério que conseguia. Haviam duas grandes janelas de vidro nas paredes laterais da recepção, a da esquerda dando vista para uma das entradas do bosque. Mais para frente vejo um grande balcão de mármore branco que ocupava toda a parte de trás do salão, em formato de disco, preenchida com algumas cadeiras de veludo.

Apenas uma moça atendia ali: Ela era branca e tinha longos cabelos loiros, presos por uma xuxinha e uma expressão preocupada cravada no rosto. Estava sentada em uma das cadeiras do lado oposto ao nosso, roendo as unhas enquanto mexia em um dos três computadores do balcão, concentrada. No canto esquerdo havia um pequeno corredor, com uma catraca no meio, e apenas um guarda a vigiando. O homem era alto e robusto, a pele mais morena, usando uma camisa azul clara com uma jaqueta grossa. Ele coçava sua barba ruiva e mexia no celular, mas não parecia distraído de forma alguma.

Vou andando direto para a catraca, sentindo certa resistência vinda de César. Dou um tranco um pouco mais forte para ele ir na frente, ouvindo um ganido bem baixinho. O homem guarda seu celular no bolso, nos observando em silêncio. Eu desvio meu olhar, começando a procurar meu crachá inexistente nos bolsos da camisa, botando meu plano em prática. Tentava parecer o mais casual possível, como se fizesse isso todo dia, e que era normal eu aparecer levando um furry alienígena como prisioneiro. O guarda parecia desinteressado, até virar a cabeça um pouco para o lado e entrar em choque.

Ele dá um passo para trás em silêncio, empalidecendo na hora. Ignoro a reação do homem e continuo com a pequena cena, mas minhas mãos tremiam. Estava apenas ficando estressada, pois não achava meu crachá. Sim, era isso. Começo a passar minha mão pela camisa com mais impaciência, indo até os bolsos da frente da calça, de trás... E paro, bufando e olhando para o guarda. Sua mão estava sólida sobre o coldre da arma.

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