VIII - Perdendo Controle

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Sair do jogo e acordar na cama, dentro de um cobertor quentinho, fazia com que as coisas que aconteceram a alguns minutos atrás parecessem apenas um sonho. Mesmo que lembrasse de tudo com detalhes, e soubesse com clareza de que esse não era o caso, o sentimento persistia.

Eu tiro os fios das minhas orelhas humanas e abro os olhos, vendo as camas de César e Samira vazias. Minha cauda se agita enquanto me levantava e arrumava a cama às pressas, agoniado. Por favor, que nada tenha acontecido.

Quando já ia sair da sala, dou uma última olhada em volta e percebo César voltando do balcão de atendimento, segurando três lanches. Ele parecia um pouco envergonhado.

- Eu comprei um rango. Ahm, vamo comer lá fora, por favor.

- Onde tá a Samira? - Pergunto, olhando em volta. O lugar estava bem mais cheio, e haviam apenas duas camas desocupadas, sem contar as nossas.

- Ela foi buscar umas informações, pediu pra nos encontrarmos lá fora. - Ele diz com o rabo meio entre as pernas, andando rápido até a porta de emergência.

- Aconteceu alguma coisa? - Vou descendo as escadas com ele, ouvindo o barulho aumentar conforme nos aproximávamos do térreo. Já sentia minhas orelhas abaixando.

- A atendente ficou me analisando, tentando pegar minha mão, meio perplexa... Foi desconfortável. E a única coisa barata daqui é a hora no console, mesmo. Dez reais num croissant é um absurdo! - Ele desce as escadas em um passo mais lento, e percebo a mesma reação nas suas orelhas caninas.

- Valeu pelos salgados, mas acho que é melhor deixar a Samira comprar as coisas, da próxima vez. Ainda mais que agora você tá sendo procurado pela polícia. - O lembro, pegando um dos salgados do braço dele, ajudando a carregar.

- Eu sei, eu sei, eu fui no costume, só fui lembrar quando já tinha chamado a atenção da menina. Mas ela só tava impressionada, deve ter achado que era uma fantasia bonita. Tá sossegado. - Estávamos perto do térreo, e o barulho já começava a me irritar. Parecia até mais alto do que antes. César hesita um pouco ao chegar na porta, mas após alguns segundos de preparo, ele abre com um tranco e começa a cruzar o salão, rapidamente. O golpe sonoro era o mesmo e a agonia pior, agora que uma de minhas mãos estavam ocupadas, e não podia mais pressionar minhas orelhas contra o cabelo.

Nós praticamente corremos em direção a saída, passando pelas portas automáticas e saindo de perto, em alívio. Quase não ouvia nada além daquele som agudo. César veio logo atrás de mim, sumindo na massa de pessoas que iam na direção contrária a dele. Eu fico na ponta dos pés para olhar em volta, tentando achar a Samira. O sol batia no meu rosto, e isso só dificultava tudo. Não conseguia ver nem ouvir direito, e a multidão de pessoas ia aumentando, algumas se esbarrando em mim para tentar entrar na Lan house.

O meu coração acelera no momento em que percebo que não conseguia sair. Eles estavam me esmagando. Eu dou um passo para frente, piso no pé de alguém e recebo um empurrão brusco no ombro, que me dá o impulso para botar parte do meu braço para fora da multidão. O problema é que o restante do corpo continuava entalado.

Eu não podia ficar ali, todos estavam me vendo. Era um susto, um par de olhos me percebendo, e isso viraria um inferno.

De repente, sinto um puxão brusco no meu braço. O susto vem junto com um pavor, que se resulta em uma ação instintiva. Eu espremo meu outro braço e cravo minhas garras no que quer que me puxava, tentando me soltar.

- O que você tá fazendo!? - Diz uma voz, que identifico imediatamente como a de César. Ele me puxa outra vez, e consigo sair do meio da porta. César olhava para minha mão em seu braço. Eu sigo o seu olhar, tendo um choque ao ver minhas garras cravadas, ali. Havia um pouco de sangue escorrendo. Eu solto imediatamente, pressionando a mão forte contra o peito.

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