XV - Pôr do Sol (Parte Final)

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A grande porta de ferro se fecha no mesmo momento em que sinto a ventilação cedendo. Agora que era parte felino, torcia para ter uma vantagem em cair de pé.

Não foi o caso. Eu desabo em cima da mesa da mulher, fazendo um estrondo e esmagando o teclado dela com o meu joelho. O teclado desliza para trás e a parte de cima do meu corpo vai para baixo, metendo o pé em um dos monitores. Minha barriga bate no final da mesa, e dali fui para o chão, perdendo qualquer orgulho que talvez ainda tivesse, lá no fundinho.

Na queda, ouço um grito curto que soa familiar. Agora que levantava meu rosto, sentado no chão, vejo Samira do lado da porta fechada, apontando uma arma enorme para mim. Ao me reconhecer, ela abaixa a mira lentamente, em choque. César estava do lado me encarando de um jeito parecido, e o rosnado que saía de sua garganta some na hora.

- ...Paulo? Como...? - Ele diz baixinho, dando um passo para se aproximar, parando e olhando para o outro canto da sala.

A mulher de cabelos roxos olhava para nós três com uma expressão assustada, as costas coladas na parede. Ela se encontrava perto de uma prateleira que continha várias ferramentas e caixas de metal pequenas, do lado também de um retângulo negro meio estranho recostado no fundo da sala. A altura do bloco chegava em sua canela, e era no mínimo uma decoração bizarra. O mais perto que consegui comparar foi com algum tipo de degrau contemporâneo.

Olhar para ela de perto, com as mãos estendidas para cima, causava o mesmo sentimento de quando a vi pela primeira vez, na central de atendimento: Puro desconforto.

- Fica de olho nela. - Diz Samira, entregando a arma para César, que acena com a cabeça. Ela vestia uma blusa azul, com o capuz justo na cabeça, algumas mechas dos seus cabelos ruivos escapando para fora. Ela apressa o passo e me levanto, a envolvendo em um abraço apertado, com todo o amor que tinha.

- Ah Paulo, puta que pariu. - Samira segura meus ombros, dando uma balançadinha. - Você tá bem!? Como que você chegou aqui!?

- Longa história, mas... Eu tô bem. - Sinto uma dor nauseante na barriga, o que me faz curvar durante a frase. - A gente precisa sair daqui, agora.

- Sim, por favor! Vocês precisam voltar para a ala dos experimentos. - Diz a cientista, com um tom preocupado. Minha cauda arrepia. - Vocês dois não podiam nem estar aqui fora, isso é extremamente peri...

- Ah, cala a porra da tua boca, vai. - Diz César, se aproximando de nós dois, ainda com a arma mirada. A mulher não mexia um músculo.

- Meu Deus, que confusão. Isso vai dar um problema... - Eu a observo enquanto César passava a arma para Samira novamente. Ele se aproxima e me dá um abraço apertado, me fazendo soltar um ronrono leve. Só agora, nesse abraço, que tinha percebido o quanto ele havia mudado. O focinho, a pelugem negra por todo o corpo, as patas...

- Menino, tu tá tão empoeirado que pensei que tivesse mudado a cor do seu pelo. Você tá bem mesmo? - Eu me apoio na mesa, pressionando o outro braço contra a barriga.

- Eu tô bem, só calculei a queda meio... Eu não calculei. Eu tô junto com umas pessoas daqui de dentro, eles criaram um plano de fuga pelos dutos e estão procurando uma saída por lá. A gente precisa ir. - César olha para a cientista de canto de olho.

- A gente tem um pequeno probleminha pra resolver, primeiro. - Diz Samira, com a arma mirada.

- Espera. - A mulher parece perceber algo, olhando para César. - Faz quanto tempo que você começou a se transformar, garoto? Eu não lembro de você aqui den...

- Dá um tiro nessa mulher louca logo, problema resolvido. - - Ele a interrompe, voltando a rosnar baixinho. Samira coloca o dedo no gatilho, começando a mirar.

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