XVI - Nascer do Sol

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A sensação da grama nas coxas nuas, a briza leve balançando meus cabelos. O ar era puro, e a briza calmante. Minha consciência acordava no conforto. Onde eu estava?

Abro os olhos, e sinto meu corpo deitado na grama baixa. A visão que tinha era de um céu azul no começo da manhã, com poucas nuvens rasas. Eu me sento e cruzo as pernas enquanto minha consciência voltava e eu tomava a percepção de que, afinal, estava sonhando.

Era... Estranho. Meus sonhos nunca foram tão vívidos assim. A sensação da grama, o visual pacífico dos montes, até o infinito. Demorou um pouco até eu perceber que tinha voltado à minha forma humana.

Olho para meu braço, passando a mão por ele, sentindo a pele. Usava um pijama simples e branco, com estampas de gatinhos. Já tinha me acostumado tanto com a pelugem, que agora me sentia nu. Por que eu continuava sonhando com esse lugar?

- Isso é uma reclamação? - Diz uma voz familiar, com um tom brincalhão. Vejo um gato branco subindo graciosamente a colina.

- Não, não. É bem bonito, aqui. Eu só... Não tô entendendo. - Ele caminha em minha direção, chegando do meu lado, dando algumas voltas e sentando no chão, com o olhar no horizonte.

- O que você não entende? - Rio um pouco, coçando o queixo.

- Bem, eu acho que vou precisar de um papel e caneta, a lista é meio longa. - O gato ri, e sinto um conforto confuso no coração. Sua voz era doce e muito familiar, mas tinha certeza absoluta de que nunca a havia ouvido antes.

- Essas perguntas eu também não sei. - Ele responde aos meus pensamentos, lambendo sua pata. Eu sabia disso.

- Você pode me dizer quem é você? - O gato olha para mim, curioso.

- Você também já sabe a resposta, Paulo. Foi a gente que fez esse lugar.

Eu desvio o olhar. Não era verdade, era? Eu não tive tempo para pensar a respeito desses sonhos, mas havia uma suspeita em minha cabeça.

- Não existe suspeita pra isso. Você sabe, desde o começo. Só não quis confiar no que estava sentindo.

- Como assim? Eu nem tive tempo... - Ele bota suas duas patas dianteiras em minha perna.

- Algumas coisas você não precisa pensar pra saber. Entende?

Fico em silêncio, pensativo.

- Acho que sim. - Eu deito novamente no gramado, aproveitando os poucos momentos que tinha na minha forma humana. Nossa, como eu sentiria saudades disso.

- E agora? - Pergunta o gato, chegando mais perto para se aninhar em meu braço. Eu faço um carinho em sua cabeça, sentindo uma garoa fina começando a cair.

- Eu não faço a menor ideia. - Digo baixinho. Eu nunca tive tanto medo de acordar em toda a minha vida. Eu sabia que podia a qualquer momento, mas... Não estava pronto.

- Não tem forma fácil de lidar. A gente não vai ficar pronto, Paulo.

- Então o que eu faço? E se eu acordar no laboratório de novo, ou se eles foram raptados novamente!? Eu... - Sinto o gato se apertando contra meu peito, e abraço ele apertado. - Eu não sei se eu consigo.

Ele me olha no fundo dos olhos. Sentia a chuva engrossando.

- Eu sei, e é bem provável que vai ser doloroso. Vamos nos machucar, ter mais problemas... Não vai ser fácil. O mundo inteiro tá mudando. Mas se você paralisar agora, a gente nunca vai ter a chance de continuar tentando. - Eu fecho os olhos, tremendo de frio, de nervoso.

- Eu não to dizendo que você vai ter que passar por isso sozinho, também. Minha recomendação seria um psicólogo e um estoque grande de doces. - Rio um pouco, encostando meu rosto no seu. Ao passar minha mão pelo seu corpo molhado, percebo que ele também tremia.

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