IV - Breve Suspiro

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A noite já havia chegado, e a única luz iluminando a sala vinha da tela do meu computador, aberta na aba do Xiscord.

Eu suspiro e passo minha mão na cara, repensando sobre o que tinha acabado de acontecer.

Eu nunca tinha falado com ninguém daquele jeito. Nunca sequer tive a coragem de aumentar minha voz para bater de frente com alguém, sempre tentava resolver as coisas passivamente, não sabia levantar a voz e participar de uma discussão, muito menos começar uma. A culpa pesou forte no momento em que saí do jogo, mas o alívio de ter soltado parte daquele ácido de dentro de mim ainda se sobressaía. Eu transbordei, explodi no pior momento possível. Não conseguia me acalmar, era a segunda vez que chorava naquela noite.

levo um susto ao ouvir um toque vindo do computador. Era uma ligação da Samira. Passo a mão na cara para tirar um pouco das lágrimas e pego os fones auriculares, tentando me recompor. Meu celular começa a vibrar como um louco, cheio de mensagens da Samira.

Eu respiro fundo, com as mãos trêmulas, e atendo a chamada.

- Paulo! O que aconteceu? Vocês conversaram? Por que o César saiu do nada!? - O máximo que consegui responder nos primeiros segundos foi um grunhido baixinho, sentindo mais lágrimas voltando a escorrer.

Me acalmar foi uma tarefa... Demorada. Comecei a explicar o que havia acontecido lentamente, tendo dificuldade conforme chegava nas últimas partes. As palavras entalavam na garganta, carregadas de vergonha e culpa. Quando acabei, fechei os olhos e senti as orelhas colarem na cabeça. A ligação ficou em silêncio por uns segundos.

- Eu só... Não consigo entender. O que ele fez pra ser banido? Por que justo agora!? Não faz sentido nenhum! - Ela diz, frustrada. Estava esperando uma reação bem pior.

- Eu não sei, talvez ele tenha usado algum hack? - Já sabia que esse não era o caso antes mesmo de terminar a frase. Não era possível fazer algo do tipo neste jogo. Já tinha pesquisado.

- Claro que não. Você não acha isso uma coincidência muito estranha? Ele foi banido justo hoje, no exato momento em que você conversava com ele sobre um assunto extremamente sério.

- É, foi bem infeliz, mas... O que você quer dizer com isso? - Pergunto. Samira fica em silêncio por uns segundos.

- Sei lá, não tô pensando direito. Você viu quais regras ele tinha quebrado? Normalmente aparece alguma informação a respeito do banimento, tipo um link pra você ver melhor o caso. - Tento lembrar, fechando os olhos. Os acessórios dele no chão, o barulho estridente ecoando pelas ruas, o texto destacado em vermelho...

- A mensagem não falava nada. - Me lembro, sentindo as orelhas levantando. - Só dizia que ele tinha quebrado as regras, mas não mencionava quais. Na verdade, a mensagem em si parecia meio bugada. - Ouço uma batida leve na mesa.

- Eu tô falando, tem alguma merda aí! Ele disse que não queria que tivesse acontecido isso contigo e quando foi explicar mais sobre o assunto, recebeu uma punição definitiva sem explicação nenhuma! - A fúria em seu tom de voz no começo agora virava preocupação, e as ideias que iam se formando em minha cabeça iam seguindo o mesmo rumo.

- Espera, você realmente acha que tem alguém...? Não, eu não quero pensar nisso. É muita teoria da conspiração pra mim.

- Eu não tô achando nada. - Ela responde, ouvindo-a teclando com velocidade. - Vou mandar um e-mail pra empresa perguntando sobre isso. Eles precisam dar alguma informação, pelo menos o porquê dele ter sido banido. Não é possível. - Coço meu cabelo, limpando meu rosto no joelho. Samira compartilha sua tela e fico vendo ela fazendo o processo de mandar um e-mail para os desenvolvedores do jogo. Depois de dez minutos a observando, vou sentindo minha cabeça e meus olhos pesando, querendo fechar. Minha consciência viajava em vários pensamentos malucos, porém nada com detalhes. Acabei pescando uma vez, e percebi que não ia aguentar.

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