VII - Praia Colorida

78 4 6
                                    

Olhava para o teto de madeira em silêncio, meio avoado. Eu ouvia uma conversa baixinha, do outro lado do quarto. Agarro o edredom e respiro fundo, juntando forças para me sentar na cama.

O conforto do sonho ainda permanecia, mesmo que distante.

- Bom dia. Eu já ia te acordar. - Suspiro aliviado ao ouvir a voz do César, ignorando o frio e saindo das cobertas. Os dois estavam sentados na cama do lado, com César na forma de índio e Samira com as pernas meio enroscadas, me fazendo perguntar como ela não se sentia incomodada ficando daquele jeito. Ela comia um pão doce com cobertura de chocolate. O cheiro preenchia o quarto de uma forma maravilhosa.

- Tá tudo mundo bem? Eu acordei muito tarde? - Digo, sentando perto deles para pegar um dos pães. Eu estava faminto.

- Olha, eu tô de boas. Meio confuso, mas de boas. a Samira tava me explicando o que aconteceu. - Ela parecia bem melhor do que ontem. Mais descansada, sem olheiras, comendo com vontade. Ela só concorda com a cabeça ao ser mencionada, e continua a comer.

- Tipo, na minha visão, foi tudo muito rápido! eu não tava mais conseguindo entender o que aquele cara tava falando, tropecei e... Eu bati a cabeça? - Dou uma mordida no pão de chocolate, fechando os olhos um pouco, saboreando. Estava com um pouco de dificuldade em focar no assunto.

- Não, mas se você não tivesse se segurado no carro, provavelmente teria. - Digo entre mordidas, sentindo que estava sendo um pouco mal educado. No momento, a fome falava mais alto.

Ao olhar para César melhor, percebo a drástica diferença nele, desde ontem a noite. Toda a ponta da cartilagem do seu nariz estava preta, e era difícil encontrar algum lugar em sua cara que não estivesse coberto de pelugem. Ele segurava o pão com as duas mãos, que tinham almofadinhas e garras, da mesma forma que as minhas.

- Eu pensei que você tivesse ficado em coma. Foi... tenso. - Diz Samira, mastigando.

- Oloco, desculpa aí. Eu tô bem, acho que foi só um desmaio. Muita coisa acontecendo de uma vez só. - Ele pausa para engolir, e se vira para mim. - Hm! A Samira contou que tu arregaçou o cara na porrada! Digo... Garrada! Como que tu fez isso? Ele não tava armado?

Eu me encolho com a pergunta, e sinto minha mão formigar. Samira dá uma braçada no ombro de César.

- Ou! Eu só tô perguntando!

- Ele se distraiu com um carro, e eu bati na mão dele. - Eu digo, mas minha voz quase não sai. - Eu consegui segurar ele, e... Aí a Samira...

- Aí eu enfiei o chute naquele filho da puta. Espero que ele tenha quebrado as costelas. - Eu arrepio com a resposta.

- Caralho. - César parece compartilhar o meu choque. - Quem era aquele cara, afinal de contas? Que negócio todo de contrato é esse!?

- César, eu não tô bem pra te explicar isso agora... Eu te conto depois, beleza?

- Tá bom, né. - Ela aponta com os dedos melados de chocolate para mim.

- Pelo menos, agora a gente sabe que ele quer matar você. - Seu dedo vira para o César - E sequestrar você, por algum motivo.

Eu lembro da forma como ele tinha me olhado, mordendo os lábios. Minha cabeça doía.

- Eba. - Digo baixinho, passando a mão na testa. Samira continua, após outra mordida.

- Meu chute: Ele provavelmente tem contato com a Vortex. Só desse jeito pra saber sobre os ingressos. - Começo a ligar alguns pontos, e chego a uma conclusão meio decepcionante.

- Eles provavelmente baniram nossas contas no jogo, não é? - Pergunto desanimado, saboreando outra mordida.

- Provavelmente, mas a gente não vai poder entrar nelas de qualquer forma. O problema é que, caso o filho da puta tenha realmente um contato com a Vortex, agora eles também sabem que o Paulo tá se transformando. - Ela levanta, pegando mais um pão. César balança a cabeça, completamente perdido.

Instintos felinosOnde histórias criam vida. Descubra agora