Capítulo 20

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As palavras sublinhadas são palavras riscadas.

TW: pensamentos depressivos


-º-


11 de Janeiro de 1996

Querido Diário,

Tô aqui pra falar sobre algo diferente. Todos esses dias, eu tenho falado sobre como o exterior me abala, mas hoje eu vou falar sobre o meu interior e como ele me afeta. Porque não existem atrativos em mim. Porque eu me olho no espelho e sinto repulsa.

Eu brinco. Eu finjo que me acho. Minha vida é uma pura e verdadeira calúnia. Uma calúnia tão bem feita que às vezes até eu mesmo acredito. E esqueço o quão imperfeito eu sou. E acredito que eu sou belo. Mas então eu me lembro. Lembro-me das mãos me tocando. Dos sussurros contra a minha pele. Do quão sujo eu sou. De como eu sou... De como eu não... Eu simplesmente... Eu não posso... Eu não mereço...

É uma mentira tão perfeita quem nem imaginam o inferno em que vivo. Jamais acreditariam. Ririam da minha cara caso eu me atreva contar a alguém minhas verdades. Afinal, eu tenho a vida que todos sonham. Mas ninguém imagina o que é sobreviver sob a minha pele e ter as expectativas do mundo nas minhas costas e ter a proeza de decepcionar todos. Ser uma bosta tão grande que, se parasse de fingir por um mísero e grotesco segundo, todos se afastariam de mim.

Sabe, diário, quem gostaria de alguém tão quebrado como eu? Tão sem qualidades como eu? Uma pele marcada? Um homem perturbado? Que pranteia contra o travesseiro quase todas as noites? Que se odeia acima de tudo?

Eu atuo tão bem que, às vezes, eu esqueço que vivo nesse pesadelo constante e me torno outra pessoa. Um rapaz forte, frio e poderoso. Digno de sentirem orgulho. E eu me confundo nas nuances dessas duas personalidades. Tampouco sei quem eu sou verdadeiramente. Qual dos cacos é o verdadeiro eu?

Há tantas pessoas melhores e mais verdadeiras. Quem iria se aproximar de um ser tão despedaçado caso descobrissem a verdade, certo? Melhor guardar essa minha pior parte no fundo de minha alma. Mesmo que ela já esteja tão quebradiça que mal exista. Porque jamais doeu tanto viver como agora.

Às vezes eu queria desistir de tudo. Sumir do universo e viver isolado no meu mundo, alheio a tudo e todos. Quem sabe assim eu teria paz. Um pouco de tranquilidade e quiçá amor. Mas essa é mais uma das utopias com que eu tanto sonho e sei que eu nuca terei.

Ah, diário, mas isso não é tudo! Ainda há o maldito problema do meu corpo. O nojo que sinto ao olhar meu reflexo. A lembrança de outrora e a redução da autoestima a cada olhadela. Porque não importa o quanto tente, sempre vou sentir nojo.

Não, não é nojo. Eu sinto ojeriza da minha carcaça repulsiva.

Sim, essa é a palavra.

Porque um dia esse corpo causou prazer.

Porque um dia essa alma foi fruto de um prazer.

Porque eu mereço todo o sofrimento do mundo. Porque eu mereço estar dilacerado. Eu mereço ser esmagado. Eu mereço chorar e agonizar por toda a eternidade... Sempre ao me olhar no espelho, a cada devaneio.

Apesar dessa dor ser a prova de que eu estou vivo, eu queria parar de senti-la por mísero instante. Um mísero instante. É pedir demais por algum sentimento bom na minha vida? Uma amizade que eu sinto que seja verdadeira, um amor recípocro ou um momento que não seja fingimento?

Ou então não sentir coisa alguma?

Porque eu não sei por quanto tempo eu vou conseguir continuar com a aflição sendo minha melhor amiga.

Mas no fim eu sei que minhas células não poderão saber o que significa serem amadas. Nunca. Nem mesmo por mim. Até porque eu não tenho nada de bom. E ainda tenho as chagas de minha alma sangrando em meu interior; meu corpo sendo um mapa de cicatrizes mal curadas.

Afinal, quem iria gostar de um cara tão desumano como eu?

Quem iria se dar o trabalho de juntar tantos cacos, diário?

-º-

Harry terminara de ler a página do diário com um aperto no coração. Lógico que já sabia que existiam pessoas que se odiavam e tudo mais, mas não sabia como que era. Sentia um misto de preocupação e compaixão pelo escritor. Principalmente preocupação.

Ao mesmo tempo em que ansiava por recolher e colar todos os cacos do outro, ele tinha receio de não conseguir. Entretanto, a cada folha que lia, a cada dia que passava, a insegurança era substituída por determinação. Pois ele iria fazer de tudo para fazê-lo sorrir e esquecer todos esses pensamentos ruins! Esquecer não... superá-los.

Era tudo tão surreal. A cada página, Potter entrava na vida do outro e nem ao menos sabia seu nome, ou sua casa... Tudo bem que a lista diminuíra dramaticamente. E pensando nisso, Harry a pegou e checou, riscando os nomes que havia se esquecido de eliminar da última vez. Ele não era da Hufflepuff, e agora Harry sabia que ele fingia muito bem seus sentimentos, o que era muito doloroso de saber.

1. Duncan Inglebee ( R ) -> 5º ano

2. Jason Samuels ( R ) -> 5º ano

3. Zacharias Smith ( H )-> 5º ano.

4. Anthony Rickett ( H ) -> 5º ano.

5. Draco Malfoy ( S ) -> 5º ano.

6. Vincent Crabbe ( S ) -> 5º ano.

7. Greg Goyle ( S ) -> 5º ano.

Restaram cinco nomes. Suspirou e guardou a lista. Deitou-se na cama e abraçou o travesseiro pensando onde o escritor estaria agora. Se ele estaria tendo esses pensamentos pessimistas ou fingindo ser quem não era. Tudo isso fodia demais com a cabeça de Potter. Bufou e retirou os óculos impacientemente, olhando para o teto. "Não importa o que você pense de você, eu sei que você é lindo!", pensou antes de fechar os olhos com amargura por não poder consolar o escritor. 

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