Capítulo 25

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As palavras sublinhadas são palavras riscadas.

TW: violência doméstica


-º-


30 de Janeiro de 1996

Querido Diário.

Andei pensando e... Hoje vou falar um pouco sobre meu pai. Às vezes, isso me ajuda a tirar um pouco dessa raiva e mágoa que eu sinto por ele, porque eu estou cansado, sinceramente.

Sabe, nós nunca fomos muito chegados, desde que eu me lembre, pelo menos. Minha mãe conta que quando eu era bebê, meu pai era vidrado por mim. Mas é difícil de acreditar depois de tudo que ele fez e faz, sabe? Como um pai que te adora quando você nasce e depois te despreza? Não consigo entender. Enfim...

Minha mãe me contava todas essas lembranças e eu não me recordo de nada. Parece até que ela está contando sobre a vida de outra pessoa. É bem surreal a sensação. Ainda mais por não conseguir associar o meu pai de quando eu era bebê com o de hoje em dia. Quer dizer, em que ponto ele deixou de me amar?

Talvez tenha sido quando eu comecei a desenvolver minha própria personalidade, ou então, quando ele viu que eu nunca seria o filho perfeito que ele sempre quis. De qualquer forma, eu lembro claramente a primeira vez em que ele me bateu. Nem consigo lembrar o que eu tinha feito, mas eu lembro claramente a fúria de seus olhos e os tapas que recebi. No dia seguinte, ele agiu como se nada tivesse acontecido, mas eu não consegui olhar para ele por alguns dias.

Acho que eu contei superficialmente sobre meu medo de tempestades, né? Pois bem, lembro-me de uma vez em particular, que estava chovendo demais! Eu chorava e tomei coragem de ir para o quarto dos meus pais pedir por consolo. Fui lentamente acordar minha mãe, porém, consequentemente, acabei acordando meu pai. Ele ficou puto. Seu grito era tão alto quanto os trovões e isso me encheu de pânico. Meu pai começou a me causar tanto medo quanto as chuvas.

O pior é que eu não conseguia parar de ir até lá. Principalmente depois de uma vez que Daniel havia me... tocado. Choveu forte aquela noite. Estava tão enleado, tão chocado. Pode parecer infantil, mas eu só queria meus pais e o amor deles. Porém, quando eu fui pedir, recebi um soco no rosto e um grito que me quebrou por inteiro. Depois desse dia nunca mais procurei meus pais... Para nada.

Mas sabe, eu até poderia aguentar a violência, diário. Mas, o que mais me destrói é o olhar de desprezo do meu pai sobre mim. Parece que eu nunca fiz nada de bom, nada de que ele se orgulhasse. Eu poderia morrer que ele ficaria feliz porque o filho merda dele não vai mais dar trabalho. Todas as vezes que ele me xingou, eu acreditei porque eu sei que é o que ele pensa verdadeiramente de mim, não importa o quanto minha mãe tente amenizar. Meu pai não me ama, nem nunca me amou.

Escuto tanto o quão merda eu sou de meu pai, que acabo acreditando.

E eu estou tão cansado, diário, de ter essa esperança de conseguir o amor dele. Mas não importa o que eu faça, é em vão. Estou exausto de lutar e ainda tentar ser o melhor filho para ele, porém, é um reflexo meu. Do que? Eu também não sei.

Às vezes queria jogar tudo para o alto e ser eu. Mas passei tanto tempo atuando e mentindo que nem sei mais quem eu sou. Então é melhor mentir mais um pouco, porque quem sabe assim, meu pai não me dá uma migalha de amor.

Boa noite, diário.

-º-

Harry terminou de ler a dolorosa página. Não sabia se sentia raiva ou compaixão. Contudo, o que mais doía era que Potter não tinha ideia do que o escritor estava passando.

Harry sempre sentiu a ausência dos pais. Não falta ou saudade, afinal, pode-se ter tais sentimentos com pessoas que nem ao menos conviveu? Entretanto, ele sabia muito bem como era ter uma infância abusiva. Seus tios o tratavam mal, muito mal.

Potter, porém, entendia que havia um grande abismo entre tios que nunca o quiseram com os pais que deveriam dar o mínimo de amor. Não tem nem comparação. Talvez porque Harry sempre tenha se conformado que jamais seria aceito ou amado, então parou de tentar.

Será que essa atitude foi mais fácil para Harry porque não eram seus pais? Potter agora se questionava. Guardou o diário, cansado. Doía pensar em família e coisas do tipo. Não era uma dor apenas emocional, mas sim palpável.

Deitou-se, concluindo que qualquer adulto que abusasse de uma criança é um monstro. Seus tios, os pais do escritor. Pois Harry não conhecia nada do mundo e aprendeu apenas como ser maltratado. Ninguém merece e nem deve ter esse tipo de sentimento grotesco.

Potter havia se salvado no dia em que fora para Hogwarts, mas o escritor ainda estava preso no ciclo de um relacionamento abusivo. Ele queria salvá-lo. Por compaixão ou empatia, se convencia. Todavia, Harry sabia que no fundo queria salvá-lo, pois um dia já esteve em seu lugar.

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