As tarefas de um deus

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O mar naquele dia não estava apropriado para o banho. Rude e com ondas violentas, havia diversas bandeiras vermelhas espalhadas pela praia informando o perigo.

Assim que deixou Sally dormindo em sua cama no chalé, Poseidon entrou no carro onde Calyse o aguardava sentada no banco do motorista. Ele deu a volta no veículo e antes de abrir a porta, olhou um última vez para a fileira de chalés. O deus dos mares estava com o cenho franzido e seu habitual sorriso, conhecido pela jovem mortal, desaparecera. No lugar, uma fina linha de expressão surgiu.

Após alguns minutos em silêncio dirigindo, finalmente Calyse abriu a boca, pintada com um batom vermelho:

— Se me permite dizer, senhor dos mares, acho que não é mais conveniente os encontros com a mortal. — Sua voz era aveludada, sem o desejo de parecer intrometida, mas já sendo.

— Eu permito que você diga muitas coisas, Calyse, meu bem. — respondeu Poseidon, com a cabeça apoiada na mão, olhando a paisagem pela janela do carro. — Mas não posso acatar todos os seus desejos. O que ando sentindo é mais forte do que eu.

— O que é tão forte, senhor? — Ela fez uma curva leve para a direita, com a atenção no trânsito, mesmo que nas ruas não houvesse muitos carros. — O que aconteceu essa manhã não foi nada normal. A mortal poderia ter morrido, ela é um alvo fácil. O senhor viu o que...

— Eu estava lá, docinho. — Poseidon olhou para a loira, usando um tom de voz mais alto, fazendo-a calar-se completamente. Não era sua intenção magoá-la, mas não houve outra forma.

Aquela manhã, algo completamente estranho aconteceu. Um monstro marinho apareceu e, quase, por pouco, não afundou o barco que estavam.

Ceteus estava descontrolado. Claro que Poseidon, ágil, percebeu o que acontecia e rapidamente tirou Sally do perigo eminente. Mas agora, ele desejava saber quem brincava com o animal marinho, que, em toda sua vida, fora dócil e jamais atacou um humano sequer. Muito menos um acompanhado de um deus. De seu deus.

— Alguém está por trás disso, e eu acredito que esse mesmo alguém vem sendo responsável pelo desaparecimento das mulheres na praia.

— Senhor...

— Calyse, eu sei o que você vai dizer. — Poseidon ligou o rádio do carro, mas não suportava muito as músicas atuais, sentia falta de quando os mortais eram talentosos ao ponto de criar melodias tão agradáveis para os ouvidos utilizando apenas algumas notas no piano.

— Vai me alertar que sou um deus, que tenho obrigações a cumprir, claro que esse é o seu trabalho como minha secretária particular e minha...

— Não, senhor, eu não quero...

— Deixe-me terminar. — Ele ergueu a mão e continuou falando, sem olhar para ela. — No último mês eu fiz exatamente o que você, rigorosamente, sugeriu. Vim até aqui para descobrir mais informações sobre as denúncias de desaparecimentos na praia. Claro que pode ser um problema resolvido pela polícia local, mas como algumas pessoas alegaram ver coisas estranhas, acho que estava com razão. Ok? Então, eu assumo que você estava certa. Mas o que posso eu fazer? Desde que vi a senhorita Jackson pela primeira vez, caminhando solitária pela praia, meu coração se encheu de desejo. Confesso que não foi um desejo muito bonito de minha parte — ele tagarelava, enquanto Calyse tentava alertá-lo de algo. — Mas depois de conhecê-la melhor, o meu coração tratou de me pregar uma peça. Sabe, faz tempo, você é testemunha de que há muitos anos meu coração não se abre para tal sentimento, que até mesmo eu tenho medo de proferir em voz alta o nome dele.

— Senhor Poseidon...

Mas ele continuava divagando. Como se estivesse no divã de um psicólogo.

A História De Sally JacksonOnde histórias criam vida. Descubra agora