A realidade bate na porta

219 20 6
                                    

Poseidon ainda não havia chegado em casa pela manhã. Sally estava sentada no sofá desde então aguardando seu retorno. Ela não conseguiu dormir, passou a noite criando milhões de cenários em que o marido estaria. O monte Olimpo. Os deuses, uma reunião com Zeus. Tudo parecia tão louco, embora já tivesse tido diversas provas de que não estava tendo um sonho.

— Sally? — Era Calyce, descendo as escadas. — Onde está meu pai?

Era incomum ouvir Calyce chamar Poseidon de pai, por isso Sally demorou alguns segundos para respondê-la. Embora a presença dela ali fosse mais que uma surpresa.

— Calyce? Você decidiu voltar? — Ela tentou esboçar um sorriso, mas não conseguiu ser muito convincente. — Eu não sei. Quero dizer, sei. — Ela se levantou e foi até a escada. — Ontem a noite um tal Hermes veio buscá-lo para uma reunião com Zeus. Francamente eu não entendi nada, porque estava escondida atrás da escada.

— Uma reunião? Porque ele não me chamou?

— Eu não sei. — Sally seguiu Calyce até a cozinha, ela abriu a geladeira e pegou uma caixa de suco de laranja. Ela usava um longo vestido branco com uma fita dourada acima da barriga, com um lacinho delicado na lateral. Os cabelos loiros caindo sobre os ombros pareciam mais sedosos do que nunca e a tiara de ouro na cabeça deixava seu rosto ainda mais esplêndido. Sally se perguntou porque não era uma grávida tão bonita como Calyce. — Mas acho que ele não queria incomodar você.

— O meu trabalho é estar ao lado dele. Mesmo não morando sob o mesmo teto.

Sally estendeu sua mão e tocou os ombros dela.

— Você está passando por um momento difícil. Eu posso entender, já passei por isso. Perdi pessoas importantes na minha vida e ainda não superei.

Calyce virou, afastando-se de Sally. Ela prendeu a respiração e deixou o copo vazio sobre a bancada da cozinha. O vestido moveu-se graciosamente conforme ela andava.

— Não, não é a mesma coisa. Estou há tanto tempo no mundo que às vezes tenho a impressão de que algumas lembranças são apagadas para outras serem acrescentadas. Não podemos nos abater por todas as perdas.

— Falando assim até parece que você não o amava. — Sally sentiu o ar congelar. — Desculpe. Não sou eu quem deve dizer essas coisas.

Calyce abaixou a cabeça e sorriu.

— Claro que eu o amava. Mas nunca daria certo. Eu já sabia que não seria como um amor mortal. Unidos até que a morte nos separe. Isso não aconteceria conosco. Foi bom o tempo que durou. Sinto muito pela morte dele ter sido tão precoce. E também por minha filha. — Ela acariciou a barriga. — Eu desejava que ela fosse criada pelo pai. Tenho certeza de que ele iria ensinar coisas boas para ela.

— Se o que você diz for verdade, então Poseidon e eu não teremos um futuro juntos?

— O que? — Calyce pareceu confusa.

— Se você pensa que não teria um futuro junto com o pai de sua filha, então isso se enquadra também na minha situação.

— Não foi o que eu disse. São situações completamente diferentes. — Calyce tentou escapar, mas Sally a bloqueou antes que ela deixasse a cozinha.

— Seja sincera comigo, por favor. — Ela exigiu, contraindo as sobrancelhas. — Quais as chances desse casamento seguir a diante?
Calyce recordou-se da profecia de Cassandra. Ela prometeu a Dalila que não contaria nada. E não iria fazer, mas não julgava Sally uma tola. Tinha certeza de que ela havia percebido que uma hora o conto de fadas poderia ruir como um grande muro em uma guerra.

A História De Sally JacksonOnde histórias criam vida. Descubra agora