Tão rápido quanto um coelho

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Não fazia ideia de que reino era aquele. Tinha apenas uma certeza: nunca estivera ali antes.

Mas Loki não se importava com isso. A topologia muito semelhante à de Midgard não o interessava nem um pouco. Ignorava a paisagem verdejante do campo gramado. Queria apenas ficar sozinho, longe de todos.

Era inacreditável a forma como todos os seus planos conseguiam ter um desfecho totalmente contrário do planejado. Por melhor que fossem suas intenções, elas sempre se voltavam contra ele mesmo.

E Loki tinha consciência de que extrapolara qualquer limite daquela vez. A decepção que brilhara no olhar de Odin o deixara sem ação. Ou talvez com medo de colher o que ele próprio plantara.

Porque os outros não podiam entender?!

Ele estivera planejando fazer o mesmo que Thor: destruir Jotunhein e todos os Gigantes de Gelo. Mas faria isso por meio da astúcia, da inteligência. Deixando de lado a necessidade de evocar uma guerra sangrenta e protegendo os asgardianos do sofrimento e da perda.

Por que era tratado daquela forma?!

Sabia que o pai queria evitar o confronto e recorria à diplomacia. A formar grave com que castigara Thor provava isso: Odin lançara o filho para Midgard, sem seus poderes, sem poder sequer segurar Mjölnir...

O que faria consigo?

Apenas o baniria e tiraria seus poderes também ou algo pior?

Fora o medo dessa questão que ocasionara sua fuga. Loki preferia mergulhar na imensidão do cosmo a enfrentar a decepção de Odin, o arrependimento...

O deus-mago nunca não seria capaz de suportar um olhar que revelasse o arrependimento de seu pai em acolhê-lo àquele dia, quando o trouxera para Asgard. Por tê-lo criado como a um filho.

Era melhor fugir e se esconder da acusação de todos, do rancor e da raiva.

Poderia ficar ali, solitário e protegido. A salvo de encarar a punição imposta por aqueles a quem amava. Longe de encarar de volta o interrogatório mudo nas íris azuis de seu irmão mais velho.

As íris tempestuosas de...

– Finalmente te encontrei, irmãozinho.

"Ótimo", Loki pensou. "Agora estou alucinando".

Mas a 'alucinação' tornou-se surpresa, quando ergueu a cabeça e encontrou aquilo a que mais evitava: a intensa mirada azul. Azul como o céu de Midgard.

T&L

A viagem através da quebrada Bifrost foi... inusitada na humilde opinião do deus do Trovão. E ele agradeceu por ter sido a última. Fato que o deixava com um senhor problema nas mãos. Problema que dizia respeito à volta para Asgard.

Mas entre o exato segundo e o retorno glorioso ainda havia alguns problemas, tipo encontrar o irmão e convencê-lo a voltar pra casa. Na hipótese mais pessimista arrastá-lo por todo percurso.

Enfim...

Tentando recuperar-se da viagem conturbada, Thor olhou ao redor pela primeira vez. Flagrou-se numa paisagem extremamente rudimentar: acima de si o céu em tom de carmim muito pálido exibia sóis gêmeos sobre um campo gramado que a oeste se estendia pelo infinito a perder de vista e que a leste cedia espaço aos poucos para uma floresta de árvores imensas.

Provavelmente aquele era um reino de seres de sangue quente, diferente dos habitantes de Jotunhein. Mas não ia se preocupar com isso no momento.

Apertou o cabo de Mjölnir com os dedos possantes e, sentindo o vento morno balançar a flamejante capa vermelha, seguiu rumo às árvores. Sentira uma presença conhecida naquela direção. Provavelmente Loki não imaginava que seria resgatado, por isso não se preocupara em camuflar sua magia.

O deus do Trovão não precisou avançar muito. Logo entre os primeiros troncos encontrou quem buscava, a pessoa que acreditara nunca mais reencontrar.

Observou o irmão e foi colhido por uma forte emoção: Loki estava sentado encostado contra uma das arvores, encolhido e abraçando as próprias pernas. O rosto descansava sobre os joelhos, de forma que o loiro não podia ver-lhe a expressão.

Thor teve uma certeza: era uma visão emocionante. Uma visão criada pela culpa. O deus-mago só podia estar se culpando por tudo o que aprontara. Tinha que concordar que tentar destruir Jotunhein usando a Bifrost não fora exatamente esperto da parte dele. E olha que Loki era considerado a parte esperta da família.

Se pudesse, Thor ficaria ali admirando o irmão por mais tempo. Porém a urgência que sentia era maior. Depois da dor de supostamente perdê-lo, reinava a vontade se aproximar, de vê-lo de perto, ouvir a voz que julgara para sempre perdida...

Esses pensamentos foram a motivação para avançar destemido, com um sorriso de orelha a orelha, parar junto a Loki e cumprimentá-lo:

– Finalmente te encontrei, irmãozinho.

O sorriso apenas aumentou quando o deus-mago ergueu a cabeça e o fitou de volta, parecendo estar cara a cara com uma ilusão. Depois veio o assombro e o receio.

Thor se preparou para algum truque. Conhecia Loki muito bem, intuía que seu irmão não se renderia tão fácil.

E a precaução do deus do Trovão não se mostrou inútil. Antes mesmo de pronunciar qualquer palavra Loki se transformou em um coelho muito branco e já ia disparando numa corrida pra longe dali.

Igualmente rápido Thor soltou Mjölnir que caiu no chão com um estrondo. Num movimento fluído arrancou a capa vermelha e jogou o pesado tecido sobre o animal, satisfeito em vê-lo se enrolar no pano, como uma espécie improvisada de rede. O bichinho não ia a lugar algum.

Rapidamente pegou a capa de volta, de modo que o irmão não escapasse por nenhuma brecha, enfiou a mão com cuidado no tecido (afinal não queria ser mordido) e pegou o coelho pelo cangote, com mãos de ferro. Ergueu a criaturinha que esperneava e agitava as pernas tentando escapar e a posicionou em frente a si:

– Isso não é justo! Por que você se transforma num coelho e eu viro sapos e coisas peçonhentas?!

O pequeno peludo aquietou-se. Porém apesar de se divertir com a lembrança, Loki ainda estava desesperado para fugir. Os olhinhos vermelhos lançaram chispas na direção do loiro, mas era uma batalha perdida. Thor não o deixaria escapar.

E ele não queria um confronto com o irmão. Ainda se sentia culpado, envergonhado pela decepção que causara, então decidiu que ficaria naquela forma até o mais velho se descuidar... fato que ocorreria mais cedo ou mais tarde, sendo Thor meio distraído.

– Entendi, irmãozinho. Estamos em greve aqui. – o asgardiano loiro riu. Estava feliz em encontrar o irmão outra vez. Nada poderia diminuir a sensação quente em seu peito naquele momento. Nem mesmo a infantilidade de Loki, uma das coisas que mais sentira falta desde que o deus-mago caíra no cosmo.

Ainda sorrindo muito, Thor puxou a frente da sua armadura e uma parte da blusa que usava e encaixou o coelho ali, naquele espaço quentinho; bem a estilo daqueles animais de Midgard, os chamados cangurus. Assim que soltou a roupa de batalha, ela voltou ao seu lugar e apertou o irmão. Nada que machucasse, mas com certeza não propiciava uma fuga rápida ou fácil.

Loki ficou bem quietinho. Não podia se mover direito, sem esfregar as costas peludas no peito musculoso do deus do trovão. E suas orelhas pontudas alcançavam o rosto sorridente, raspando no cavanhaque loiro.

Que situação maldita!!

Infeliz, o deus transmutado em coelho viu que suas chances eram mínimas. Respirou fundo e encheu os pequeninos pulmões de ar. Começou a se preparar: mais cedo ou mais tarde teria que voltar a forma humana e encarar Thor...

– Hora de voltar pra casa, irmãozinho. – o loiro agitou a capa e a prendeu novamente na armadura. Recolheu Mjölnir entre os dedos fortes e olhou ao redor.

Finalmente pôde deixar a mente se preocupar com outra parte da questão: que reino era aquele?

E como voltariam para Asgard...?

You Are All I Have - ThorkiOnde histórias criam vida. Descubra agora