Novos Rumos

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O Couraçado Desbravador seguiu rapidamente em queda livre. O encontro contra o solo foi violento. Tanto Thor quanto Loki foram ao chão, embolando-se no vestido rodado de noiva.

Apenas Karnilla permaneceu firme no lugar, como se sua cadeira estivesse colada no assoalho, ou ela já se acostumara com a situação.

Foi preciso alguns segundos para os tremores amainarem e o silêncio retornar. Por algum tempo os irmãos apenas respiraram, tentando se recuperar do susto. Quando entenderam que a situação estabilizara começou a luta contra o tule e a organza para poder ficar em pé novamente.

– Rainha, devolva minhas roupas! – Loki pediu incomodado ainda no chão.

– Em breve, criança. Que coisa. Eu não disse que essa canoa furada é temperamental? Parece que demos um salto.

– Um salto? – Thor perguntou tentando se erguer sem ferir o moreno , já que Loki se debatia tanto.

– Sim. – a mulher começou a juntar uvas passas com as mãos – Quando o Couraçado salta percorre uma distância considerável. Só que isso lhe exaure as forças e ele precisa descansar.

– Saltou uma distância? – o mais velho ficou aliviado ao se libertar dos panos e ficar finalmente em pé. Estendeu a mão e ajudou o moreno a se erguer. Perdeu o fôlego ao observá-lo por completo. Ele ficava tão bem com aquele vestido – Não é justo. Porque você fica perfeito com um vestido e eu pareço um Troll de camisola?

Loki não soube se respondia a sério ou não. Estava feliz por o irmão achá-lo "perfeito", porém constrangido por seus trajes e por ser observado tão fixamente pelas duas pessoas na sala.

– A rainha disse um salto? – ele perguntou meio desesperado sentindo que coraria se continuasse naquela situação.

– Sim, sim. Pelo tombo devemos estar quase na divisa de Muspelheim. Aff, e lá se vão mais uns quinze anos pra essa jangada se recuperar. – olhou o deus do fogo de alto a baixo e sorriu largo – Quer ficar por aqui esse tempo, jovem filho de Odin?

– Não. – Thor respondeu pelo outro, passando a mão pelos ombros e puxando-o para mais perto – Meu irmão volta comigo. Nossa família espera seu retorno.

Karnilla riu. Os olhinho brilharam felizes e, por um instante assustador, os irmãos imaginaram que a confusa criatura soltaria uma exclamação do tipo "Kyaaah" ou similar.

Felizmente isso não aconteceu. Ela limitou-se a concordar com um aceno de cabeça:

– Serão sempre bem vindos. Aviso que o salto do Desbravador não envolve apenas distância, mas também tempo em via proporcional. Talvez tenham se passado quinze meses desde que embarcaram.

– Quinze meses? – ambos disseram juntos.

– Por aí. – satisfeita com a quantidade de uvas passas que juntara, ela começou a jogar uma a uma na boca – Fica com esse presente. Aviso: esse vestido é especial. Você vai entender logo o que eu quis dizer. Sua magia é poderosa, Loki Odinson, mas aprendi um ou dois truquezinhos.

– Rainha...

– Nada de "mas". – olhou para Thor que prendia o martelo ao cinto – Thor Odinson. Você precisa abrir mais os olhos. É charmoso e tem muitas qualidades mas... hum, essas uvas estão ma-ra-vi-lho-sas.

Os irmãos se entreolharam. Talvez a solidão tivesse afetado a mente daquela criatura. Fosse como fosse era hora de ir embora. Se tivessem perdido mesmo quase um ano e meio... era tempo demais!

– Agradecemos sua hospitalidade. É hora de partir. – Loki declinou suavemente, apesar de estar visivelmente irritado com o vestido.

– Adeus, crianças. A gente se vê novamente no próximo século. Vou passar por Asgard pra cumprimentar Frigg. Éramos muito amigas no passado, até ela se casar. Ela até me convidou pro casamento... pena que quando essa banheira velha chegou a Asgard Thor já tinha nascido... – e a mulher suspirou pesadamente.

Dezenas de homens ofídios surgiram na sala. Um deles se adiantou e fez um gesto teatral com a mão:

– Sigam-me.

Sem alternativa seguiram o servo de Karnilla. A escada já estava posicionada e no tamanho adequado pra descerem. A cena era impressionante: o Couraçado Desbravador caira sobre uma floresta gigante, quebrara dezenas de árvores arrastando-as consigo e criando no chão um sulco do tamanho de um riacho.

– Adeus, filhos de Odin.

Ambos acenaram antes de iniciar a descida.

– Vamos embora. – Thor saltou primeiro no chão e aguardou que seu irmão fizesse a desajeitada descida com o vestido de noiva e os sapatos de salto alto. – Vou rir disso pro resto da vida.

Loki pulou e virou os olhos num sinal de impaciência. Nem com o salto alto dos sapatos conseguia ficar a altura de seu irmão mais velho:

– Ela disse que ainda estamos na divisa de Muspelheim. Precisamos descobrir com qual reino. Talvez consigamos ajuda.

O loiro concordou e, depois de lançar um último olhar para o Couraçado Desbravador, começou a caminhar para frente, embrenhando-se entre as árvores que permaneciam em pé.

Andaram um tempo em silêncio, até a expressão aborrecida de Loki estar carregada demais para Thor fingir que não via:

– Onde dói, irmãozinho? – riu.

– Lugar nenhum. – o moreno respondeu de mau modo – Mas andar com esse salto é complicado! E esse vestido enrosca nas minhas pernas. Eu tentei alguns truques, mas ele não sai, não desaparece! Quero tirá-lo.

Estacou no lugar. As mãos grudaram na frente do vestido e ele começou a puxar com força, querendo rasgar o tecido delicado. Nem mesmo esgarçou. Thor se condoeu ao ver o esforço do deus-mago:

– Espera. Deixa eu te ajudar. – o loiro aproximou-se e segurou no tecido puxando com certa força. Achou que seria o suficiente para rasgar o vestido de alto a baixo, mas o pano só podia estar enfeitiçado, pois nem mesmo um fiapo escapou.

Tendo o mais velho tão perto, Loki começou a ficar desconfortável:

– Thor. Isso é esquisito.

Parando o que fazia, o deus do trovão tentou prestar a atenção no que acontecia. Os dois estavam no meio de uma floresta, com Thor tentando rasgar as roupas do irmão. Sentiu-se quase como um bárbaro tentando deflorar uma donzela.

– Isso é esquisito. – ele concordou abrindo as mãos e deixando o vestido livre para assentar-se perfeitamente no corpo esguio de Loki. Limpou a garganta – Vamos apenas seguir em frente até acharmos uma faca ou algo cortante.

– Hn. Sim, parece bom. – evitou olhar mais na direção do deus do Trovão. Por isso não percebeu as longas olhadas que recebia por parte do filho mais velho de Odin.

Num ponto da caminhada, aborrecido com o silêncio, Thor cruzou as mãos atrás da cabeça e suspirou:

– Devíamos ter comido alguma coisa. Agora sinto fome.

– Eu também. – Loki concordou erguendo as sobrancelhas. Mal percebera a fome, mas agora que o loiro mencionara o assunto...

– E eu não vi nada que pudéssemos matar por aqui.

– Espere. – pedindo isso o deus-mago usou um de seus truques e virou um pequeno pássaro azul, que alçou vôo por cima das grandes copas até sumir das vistas de Thor. O fofo é que das vestes de Karnilla, ele ainda mantinha a fitinha vermelha no pescoço.

Por um breve segundo o pânico dominou Thor. Não ter mais Loki ao alcance de seus olhos trazia uma agonia já sentida antes. Recordou-se do terror que fora no Couraçado Desbravador, quando acreditara que Karnilla pudesse feri-lo.

Porém o momento de pânico logo passou. O pequeno alado revoou em círculos até pousar no ombro de Thor onde cantarolou uma breve melodia, fazendo o mais velho rir deliciado.

– Tive medo que não voltasse.

O passarinho bateu asas e saiu de perto do loiro. Num piscar de olhos Loki estava de volta a forma humana, com laço vermelho, vestido de noiva e saltos altos. Deu de ombros e ia comentar algo quando duas bolas de fogo caíram do céu e incendiaram o solo formando uma espécie de círculo em chamas ao redor dos deuses irmãos.

Thor olhou preocupado para Loki, uma intuição gritando fortemente para tomar cuidado. Por isso aproximou-se do caçula e envolveu ambos com sua capa escarlate, segundos antes das labaredas triplicarem de tamanho e então se consumir em uma grande explosão.

You Are All I Have - ThorkiOnde histórias criam vida. Descubra agora