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THEO

O NOME DELA ERA Tracy, e ela era quase perfeita.

– Muito obrigada pelo jantar – ela disse assim que parei em frente à sua casa.

– Me diverti muito, como sempre.

Linda. Meiga. Inteligente. Vinte e nove anos. Divorciada do namoradinho de colégio, sem filhos, mas queria tê-los no futuro. Dava aula de álgebra na universidade. Adorava viajar. Era voluntária na UNICEF. Corria maratonas.– Eu também. – Estacionei o Range Rover na vaga. – Deixe que eu a acompanhe até a porta. Espere aí.

Já havíamos saído seis vezes – um café, dois almoços e três jantares – e eu havia curtido cada uma dessas ocasiões. Ela era exatamente o tipo de mulher que eu imaginava para mim. Nada nela me desagradava.

O problema? Nada nela tampouco me excitava. Ela soltou o cinto de segurança e esperou até que eu desse a volta no carro e abrisse a porta do passageiro antes de sair. Estendi a mão e ela a segurou.

– Obrigada.

Você não está se esforçando o bastante. Com sua delicada mão na minha, fechei a porta do carro e a acompanhei pelo passeio até a entrada. O ar noturno de junho era cálido e agradável e cheirava a flores de laranjeira. Tudo naquela noite sugeria romance.

– Tão galante – Tracy brincou. – É bom saber que o cavalheirismo não morreu.

– Com certeza, não. – Eu gostava da ideia do cavalheirismo, de que um homem pode se portar de acordo com um código de conduta baseado em tradição, honra e nobreza, apesar de ser um guerreiro em seu íntimo; que ele reprime sua propensão à violência e seus impulsos mais sombrios para preservar a moralidade social, ou ao menos tal impressão. Eu entendia perfeitamente. Chegamos ao alpendre e ela voltou-se para mim.
– Quer entrar e beber alguma coisa? – Os olhos dela brilharam no escuro enquanto seu corpo aproximou-se do meu.
– E talvez deixar o cavalheirismo de lado? – Ela deslizou as mãos pelo meu peito. Eu a abracei pela cintura e a puxei na minha direção, levando meus lábios até os dela, rezando para sentir alguma coisa. Qualquer coisa. Mas não senti nada. Nada de batimentos acelerados, nada de sensação de calor, nada de agitação no sangue. (Ou nas calças.) Timidamente, ela deslizou a língua por entre meus lábios, e eu retribuí o gesto, abrindo mais a boca para um beijo mais intenso. Nada. Frustrado, agarrei sua blusa com uma mão e seu cabelo com a outra, torcendo para que certa dose de agressividade e resistência fosse o que eu precisava para me excitar. Para mim, sexo era melhor quando havia um pouco de confronto.

Um pouco de combate. Um jogo de poder. E já fazia tanto tempo…

– Ai! – Tracy exclamou.

Imediatamente a soltei e me afastei.

– Desculpe. Desculpe. Você está bem?

– Sim, estou ótima. – Ela esfregou a nuca e riu de nervoso. – Não precisa se desculpar. Fui eu quem disse para você deixar de ser cavalheiro. Só fui pega de surpresa. – E então falou com uma voz mais macia: – Talvez pudéssemos tentar de novo? Pegar mais leve desta vez?

– Desculpe, Tracy. Estou meio distraído esta noite. Fica para a próxima?

– Oh, tudo bem. Sem problema. – Ela pareceu desapontada, baixou os olhos. E então ergueu o olhar novamente. – Ainda nos veremos amanhã à noite? – Claro.
Ela sorriu, obviamente aliviada.

– Ótimo. Levarei a sobremesa. Estou ansiosa para conhecer seus amigos.

– Eles também estão ansiosos para conhecer você.

Ela sorriu ainda mais.

– Boa noite.

– Boa noite. – Enfiando as mãos nos bolsos, eu a vi entrar e fechar a porta principal. Merda.

O que havia de errado comigo?

                          ■

VINTE MINUTOS DEPOIS, entrei na linda casa de tijolos à vista com três quartos que eu havia comprado uns anos antes, quando quase pedira em casamento minha namorada daquela época. Eu imaginava que estaríamos casados a esta altura. Imaginava que teríamos uma família a esta altura. Imaginava me sentir completo a esta altura. Nada disso aconteceu. Apaguei todas as luzes e me arrastei escada acima, sentindo o peso de cada um dos meus trinta e seis anos. No banheiro, fiz uma careta de desgosto diante do meu reflexo no espelho, passando a mão de leve pela barba desgrenhada.

Jesus, quantos fios brancos! Por um tempo, havia sido apenas um ou outro fio,mas agora eu estava definitivamente grisalho. E nas têmporas também. Era normal ficar grisalho com essa idade? E que diabos de rugas eram aquelas na testa? Será que eram de tanto franzir? Relaxei depressa o rosto e as rugas desapareceram quase totalmente. Mas não de todo. Droga, eu estava ficando velho.

Pelo menos ainda estava em boa forma. Tirei o casaco e o pendurei com a camisa no closet, joguei a camiseta no cesto de roupa suja e então parei em frente ao espelho de corpo inteiro que havia na porta do banheiro, inspecionando minha imagem com olhar crítico. Ainda sem pança. Sem flacidez. Sem gordurinhas em parte alguma. Meu abdômen ainda era duro e chapado, ainda dava para ver o tanquinho, meu peito e meus braços ainda eram musculosos. Eu podia não ser tão definido quanto tinha sido dez anos atrás, mas dava duro para manter meu físico. Eu gostava de malhar. Fazia com que me sentisse forte e poderoso e no controle do meu corpo. Eu o mandava fazer algo, e ele obedecia. Corra essas milhas. Levante aquele peso. Soque aquele saco.Fácil.

Pelo mesmo motivo, eu mantinha a casa imaculada. Meus familiares e amigos estavam sempre zombando de mim por causa do que eles chamavam de minha “obsessão” por organização. Eu não entendia – quem não gostaria de chegar em casa e ver que está tudo limpo e organizado? Não era germofobia nem nada, só aversão ao caos e à sujeira. Nada de bagunça sobre as bancadas, nada de roupa suja amontoada em qualquer canto, nada de louça empilhada na pia. E eu sempre sabia exatamente onde estava determinada coisa, porque depois de usar eu a colocava de volta em seu lugar. Droga. O que havia de tão estranho nisso? Eu estava pronto para dormir e apaguei a luz, me sentindo um pouco patético, pois ainda não eram nem dez horas de uma sexta-feira à noite, mas dizendo a mim mesmo que teria uma boa noite de sono e acordaria cedo para malhar. Eu ainda não havia fechado os olhos quando meu telefone vibrou na mesinha de cabeceira. Ao pegar o aparelho, apertei os olhos para enxergar a tela no escuro.

Era minha irmã, Tara.

– Alô?

– Oi, sou eu. Ao fundo, ouvi ruídos abafados de bar – música, vozes, barulho de pratos e copos.

– Tudo bem?

– Preciso de um favor.

E Se Acontesse? ~ Version Thiam (Pausada)Onde histórias criam vida. Descubra agora